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Peixes de metal no meio da rua
É assim que os olhos determinam
O sonho arruinado envolto
Em profundas conversas inscritas
No palimpsesto do calendário volátil,
Determinam a divulgação que subsidia
E escancara as asas do desejo amaldiçoado
Avançando na página reescrita, esmagando
A autonomia das palavras finais.
O olhar estende-se pelo leito da memória,
Atinge os colapsos da energia brutal da arbitrariedade.
Nunca apareças na noite inacabada,
O que sabes resgata o futuro concedido,
O reconhecimento destinado a liquidar
O vazio que apodrece no silêncio.
Na calçada que se estende até às águas
Desfilam peixes de ferro fundido
Que pisas recuando à infância feliz,
Ao rumorejante eco das mãos pronunciando
O sorriso da noite. Da noite guardiã das falas
Fundacionais, da serenidade nauseabunda
Que te acorrenta os pés. É aí, na genealogia
Do medo, o território que te conduz os passos
Na irrepetível caminhada rompendo os tempos
Que te levam ao fim, à degradação inútil.
Libertas-te do manto moral que te aconchegou
Os dias e atravessas a luz que nunca
Ousaste ultrapassar, a fronteira que abre
As portas da violência falhada e orgulhosa.
E agora?, perguntas à insanidade que exala
Dos excrementos postos a nu pela ousadia
Empreendida. E agora?
Nunca há respostas quando penetras
Na solidez das águas, no ermitério que envolve
A enigmática escultura que desocultas
Da sociedade alienada e castradora,
Da multidão que se barrica, impedindo
A libertação das almas. Enfrentas o ódio
Que se ergue das entranhas públicas
Escarnecendo dos desperdícios libertados
Pelo consenso tribal e avanças como apóstolo
Do absurdo nas mordomias que a ti próprio impões.
O corpo cansado resiste ao sentido que desenhaste
No plano de fundo da tristeza. Resiste e apropria-se
Da vontade que contamina as leituras paradigmáticas.
Os peixes de metal guiam-te no caminho das águas.
VRSA 27/4/11
No dia 23 de Abril de 1974, o meu irmão entrou para a tropa no Quartel da Atalaia em Tavira. Tinha o destino traçado: a Guerra Colonial. A família destroçada. Dia 25 de Abril tornou-se um soldado de Abril. A festa foi total.
No 1º de Maio de 1974, eu e outros rapazotes como eu pintámos uma enorme faixa onde se lia Viva a Liberdade e fomos a pé, gritando "o povo unido jamais será vencido, até Tavira para a grande manifestação que aí se realizou.
Eu sou a sombra do vento,
a silhueta das almas que penetram
a caverna onde repousas os dias
sem retorno. Eu renasço
nos teus lábios quando
a loucura se esconde no reflexo
do espelho acorrentado, renasço
para morrer em seguida no teu olhar.
Olhar que ampara a dor dos momentos
calados, inerte complexidade da rebeldia
projetada na parede turva do esquecimento.
Eu sou a morte que caminha
ao encontro dos sentimentos que se levantam
na planície instável, ao encontro
dos outros que emergem da noite
e espalham o medo na nostalgia dos incautos.
As tuas mãos afagam-me o cabelo sinuoso
e acalmam a podridão que escorre das pedras.
Só assim se compreende a inquietude das bocas
moribundas, escancaradas na exaustão
das fraturas reverberando o sexo encantatório.
Eu cubro a pele que me recebe pulsando
nas calmarias do pesadelo de sangue, espojo-me
no suor erótico das membranas latejantes
atingindo orgasmos irretletidos.
No barco em que navego ao encontro
das janelas da alma diviso o murmúrio
dos vagabundos que se aventuram
nos campos ébrios da batalha sem fim,
imprimo os passos que lavram os planos
divergentes da memória coletiva.
Eu sou a sombra do vento e ardo
nas tuas coxas voláteis.
Cativa 10/4/2011
Brutal é um romance onde se representam todos os traumas da infância, da adolescência e da idade adulta resultantes da decadência humana: violência doméstica, abuso sexual e disfunção emocional. Brutal tem como base narrativa dois personagens que são um só – um jovem e um velho, duas idades da mesma pessoa, ambos fascinados pelo teatro – que, no cenário das suas próprias vidas, dramatizam impiedosamente os momentos que fundamentam e marcam as suas existências. Nesse palco do romance são postos em causa e analisados, até à humilhação de se sentirem culpados um do outro, na relação perversa que ambos sentem pela natureza humana. É um duelo entre a maldade e o remorso, onde o amor e a escrita são meros figurantes.
O novo livro de Fernando Esteves Pinto na Babel. O meu amigo, e sócio na editora 4águas, Fernando em grande. Merece-o. É um escritor fabuloso e um trabalhador incansável.
Há sempre um escritor desconhecido entre o almoço e o jantar...
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