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Hoje, para vos desejar BOAS FESTAS e um belíssimo ANO NOVO, vou deixar-vos um poema da minha mãe. Sim, a minha mãe Rita é poetisa com obra publicada, com prémios vários e carreira consistente, aqui para o Sul. Não tenho distância suficiente para apreciar a sua poesia, embora me pareça distante. Mas, também, o que é que isso interessa? Eu, até, em regra, não gosto de poesia.
E, já que estamos de sentimentos à flor da pele, convidemos o meu pai para as festas.
segui sem rumo pela estrada da vida
caminhei a seu lado em curvas tortuosas
pisei as pedras que me olharam vencida
e voltei atrás em passadas vagarosas.
devagar retornei ao ponto de partida
já cansada dos sonhos de caminhante
como utopia na luta já perdida
da vida já vivida e tão distante.
vencida olhei os céus do meu destino
como afago as estrelas me mostram
na torre da igreja aquele sino
aonde as horas da vida me marcaram.
parada fiquei na beira da estrada
não segui para diante o desconhecido
da minha alma saiu rouca gargalhada
do meu peito o grito há tanto reprimido.
Maria Rita Baptista - Sonhar Poesia -2001
O meu amigo, e poeta enorme, Rui Dias Simão foi professor dois anos lectivos. Um em Rabo de Peixe, enquanto passeou, diletante, os ossos pela Universidade dos Açores e pelos bares de Ponta Delgada, outro em Vila Real de Santo António. Este último ano lectivo foi bruscamente interrompido quando numa tarde, a seguir às aulas, foi beber umas cervejas e jogar snooker com os seus alunos. Enquanto ajeitava o taco para bater a bola branca, um aluno carambolou a frase que interrompeu uma rica, se bem que curta, carreira de docente. "Qualquer dia até o meu cão dá aulas", atirou, batendo com estilo a referida bola. Nunca mais entrou numa Escola... o poeta, bem entendido.
Vem isto a propósito de um certo livro de poesia que certo "poeta" lançou num determinado mês de dezembro, que por acaso é o que corre na graça de deus. Qualquer dia, até o meu cão, o possante Matrix, edita um livro de poesia.
Portugal é um país de poetas. É uma certeza que os portugueses, sobretudo os poetas, gostam de alardear aos múltiplos ventos. É um país de poetas como o são o Canadá, a Venezuela, a Indonésia, o Burkina Faso, a Nova Zelândia ou o longínquo Botão. Tirando o maior dos maiores, o Fernando, o excepcional Luís e o perturbante Aleixo, o resto não sobressai da floresta de poetas que polui e, na maior parte dos casos, corrompe o plasma que nos esmaga.
"Também tu brutus", digo eu a mim próprio associando-me à poluição vigente. São excrementos (da alma?) senhor, não leveis a sério. Necessidades que não pretendem ser mais do que um escape libertador da alma. Reação exigida pela ação. Sendo a primeira pior que a segunda que já não é famosa. O que me consola, que nos consola, é que o produto expelido não incomoda nem se acomoda nos transeuntes. Não contamina nem dói a quem se exponha. Inocuidade sem mal. O que mais me preocupa são os amigos que, inconscientemente, me afagam o ego acreditando nas palavras incontinentes que se escapam da centrípeta vontade do emissor. Quem me dera nunca ter escrito uma palavra. Só posso prometer contenção, a osmose involuntária só parará com a morte. É uma doença cruel e crónica. O que me consola é a floresta que tudo abafa.
Chegámos tarde e a noite avançou, o estatuto da noite não morava ali.
Quantas vezes tinhas empenhado as jóias que reverberam da cerveja bebida na tasca
depois da cerimónia da morte?
O objectivo era unificar a arte, a cultura e a terapia que sublinha
o rumorejar da ausência inerte.
A desesperança encontrava, na associação com os projetos de renovação,
direitos inapeláveis onde os gritos executam
a panóplia inacabada das competências esquecidas.
O morno escriturar da mitológica raiz na plenitude imprime a tatuagem larvar
do caminho interrompido , nudez do rosto avançando, que aquece
a ordem na arquitetura do sonho.
Quando chegámos, os rostos que sobressaem da espessa penumbra,
rejubilaram de alarvidade.
Dás-me contas da incompletude nas pegadas impressas de vida,
daqueles que perdem a utopia viável dos cataclismos confortáveis e nus.
Agarramo-nos à insuficiência dos presentes e arrancamos palavras soltas,
inimputáveis e corruptas. O sabor do ritual irrepetível é uma onda
de desejo que cumpre os critérios obtusos da multidão.
Os documentos são irreversíveis e envolvem vontades instaladas, revoluções
impraticáveis que renegam os pensamentos estultos e ressabiados,
emergentes da máscara desoculta na balbúrdia reflexa.
Os dias arrastam-se na envolvência das emoções inadiáveis, receita
da casa que não esquece os jogos arquitetados na distância da semente,
os dias são o que não entendes nos outros, as vidas que se cruzam
em múltiplas imagens no espelho paradoxal.
A maresia eleva-se dos espíritos que vagueiam no labirinto
catártico da poesia primordial. O elenco da putridão oblíqua
manifesta-se quando a lâmina penetra a frieza do olhar. É um desenvolvimento
esperado sem a aprovação dos que não dormem enquanto sonham
o desfilar das figuras fragmentadas pela luz.
Retiras a sensatez aos que desprezam o inútil esculpir da realidade
suspensa no pesadelo das sombras.
Chegámos e o jardim contemplou-nos sorrindo na placidez da tempestade.
(Tavira, 27/11/2010)
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