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Não é permitido o uso de qualquer sistema informático e/ou audiovisual. A placa de contraplacado com estes dizeres longos e claros era imperativa. Colocada à entrada da taberna, selecionava a clientela. Lá dentro, na penumbra difusa atrás do trava-moscas cantante, vultos dispersos ocupam algumas mesas silenciosas, ocultando os gestos no torpor do dia soalheiro. Uma tarjeta pequena complementava a sua irmã exterior: reservado o direito de admissão.
Quando penetrei a penumbra acolhedora, ninguém voltou a cabeça, o olhar sequer, para a mudança musical operada pelos canudos pendentes da porta. A claridade esgueirava-se, atrevida, pelo salão, desocultando cones de poeira e fumo dançando no ar. Fumava-se no interior, emprestando à casa um odor a fim dos tempos.
Dirigi-me ao balcão e sentei-me num banco de pé alto, fincando os cotovelos no mármore gasto que separava o espaço público do privado: a vida às escâncaras da vida recolhida.
O seu pedido é uma ordem, disse alguém, a quem não vi os olhos, com voz mansa e rouca, por detrás da barreira, quase intransponível, trave estrutural do estabelecimento de bebidas e petiscos.
Lá fora a tarde deslizava, serena e quente, para os braços da noite acolhedora. As aves procuravam as sombras colhendo os últimos insectos antes do sono.
Saiu hoje para a rua. Debruce-se para dentro de nós e entre para o banco de trás. Venha respirar o futuro.
quando inclino o corpo
Quando inclino o corpo para a lentidão
redonda dos teus seios, vejo atentamente
que ainda não respiro o futuro.Sabes,
o pólen cai na boca dos que abrem
o silêncio. Sobra talvez uma fuligem em
cada pulso, levanta-se um leve vento,
mas os dias animados sequer encolhem
quando enlouqueces com as tuas baças
unhas amarelas...
Não é assim a casa desta manhã quando
os pintassilgos folheiam os cardos, e a cama
é devagar ao lado duma fogueira desmaiada.
As cabeças estremecem um pouco no
regresso do sol das dunas, há um navio
que deambula ainda no corpo, na exígua
memória duma guitarra e outras cordas e peixes.
Sim, alguém se debruça para dentro de nós,
quer sacudir a profunda alegria de sermos
uma realidade com sonho aberto...
Todavia temos os castelos que inventámos
após o murmúrio dos pinheiros altos, onde
guardámos as amoras, os medronhos
secos. Bebemos agora a água que resta
doutro vinho, proclamamos a prenhe volição,
a visceral palavra, e embora com uma ramela
a descansar em qualquer labirinto disponível
somos um carrossel de emoções descobrindo
aquilo que pressagiámos durante a vária
areia. Inclinamos o corpo e vemos atentamente
que ainda não respiramos o futuro...
Rui Dias Simão, Maio de 2010, edições CATIVA.
À venda neste modesto estabelecimento pela módica quantia de 7,5 euros (+ envio).
L'Albatros
Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
À peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!
Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
[Baudelaire]
Dia 15 de Maio no Auditório do Campo Grande, Lisboa, pelas 19h
Apresentação: Rui Almeida
Leitura de poemas: Inês Ramos
Paulo Serra
Mas vale a pena pelos que não vendem escovas.
A bolsa sobe vertiginosamente, os juros em queda livre. Era disto que o país precisava.
Afinal a felicidade é possível. Obrigado campeões!
Ainda os dias não se tinham repetido na retina dos transeuntes e já os nossos caminhos se separavam. Os dias cinzentos, dizem alguns, são propiciadores da reflexão e do ensimesmamento intelectual. Quando o sono não aparece nas noites secretas em que o vazio preenche as abóbadas da podridão exagerada, regresso a casa de quem me quer bem. Nunca os solavancos da inexatidão foram suficientes para me deitar por terra. Nos nevoeiros em que rocei o abismo; nas trevas insanáveis da loucura, socalcos cruéis em carne viva; colhi as temperanças da retidão das pedras, dos muros sinuosos e das serpentes curtidas no alcatrão em fogo. Cruzas a estrada e o vento não te sussurra o perigo que se alevanta, inútil, no pó que te envolve.
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