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Ontem e hoje, em ditadura ou democracia, a mesma luta.
Só se põe em bicos de pés quem é verdadeiramente minorca.
ArteserieS – Faro 9 de Maio de 2009
Acção performativa de Mandrágora com: (Por ordem de entrada em cena) Gonçalo Mattos, M. Almeida e Sousa e Bruno Vilão.
A acção é de Gonçalo e Bruno, as vocalizações e som base de Manuel.
Projecto de Mandrágora
Hoje somos todos de Olhão!!!!
Enquanto vou escarificando o restolho antigo encontro-me com gente diversa. Hoje foi o maléfico que rasgava as raízes do cereal ao meu encontro. A trajectória não era arbitrária. Era a mim que queria chegar. Deixei-o aproximar-se como se de nada me tivesse sido possível descortinar. As cicatrizes que sulcávamos aproximaram-se perigosamente e encarei-o corajosamente. O que te leva a roçares os meus sentimentos desprezíveis, atirei à queima-pele. O que ouso é o impossível. É o que não quero nem posso desejar. A ti que ninguém possui nem qualquer dia possuirá. A quem nunca os deuses revelarão compaixão. A ti só pedirei uma palavra que me minimize a curiosidade que fere como brasa a alma que perdi algures. Deixa-me tocar nos sonhos que a penumbra obscurece e inebria. Quantos são os dias que levas escarificando o que resta? Que penas cumpres na imensidão dos elementos, na atómica imprecisão das palavras?
Recuei até poder não. E de longe, protegido pela incontornável panóplia de seres inexactos, dei a resposta que o tempo daria: vem sem medo do devir. Nem deus nem os demónios me entendem. A longevidade da esperança encontrará, um dia, sem espaço nas mentes envoltas em expressões que se contendem na noite, as alvas procissões dos indivíduos sem amor. Escarificaremos as plantas que sobejam da morte anunciada. De onde se levantarão os que alimentam a beleza e o encantamento.
Como é possível continuar a resistir com tanta emoção. Caetano e Dylan juntos.
Vou ali derramar as lágrimas no chão por lavrar e voltarei tão breve quanto possível. Se não for possível , então ficarei a escarificar o restolho enquanto a beleza pairar sobre os que se arrastam na confortável dormência.
Anselm Kiefer*
A cavalo do impossível cheguei de longe. Era Sábado à tarde já tarde e bebi uma cerveja na tasca da esquina. Livrei-me de conhecer os cigarros já moribundos nos cinzeiros e passei à sobremesa sem grandes pressas.
- Outra cerveja, arrotei, das de exportação.
O homem do fundo levantou-se e saiu aos trambolhões pela janela.
*
Meu Deus.
Parecia que levava os bolsos cheios de lágrimas derramadas ao acaso. Já na rua retomou a compostura e rastejou assoviando às pedras da calçada.
*
Onde mora o encantador de serpentes, perguntei à empregada enfrascada em cebola. Respondeu evasivamente e colocou-se à minha disposição na posição habitual. A quatro é sempre difícil, pensei desabotoando a braguilha. No entanto, para começar não está mal. Fiz o serviço e saí pela janela.
O Sol punha-se atrás do bosque envenenado. As flores do soalho da rua empoeirada exalavam um cheiro acre a bife de vitela mal passado. Eram trinta luas para o fim da exposição final que começava a parecer um cravo espetado nos pulmões da aldeia. Afinal o encantador de serpentes morava no largo fronteiro ao cemitério, já na linha que separava a aldeia do bosque envenenado. Transpus a linha de um salto, que me pareceu mortal mas que afinal foi banal, e bati na janela da casa-sem-convicção. Ninguém, veio à porta. Achei-o meio desfigurado, por entre a amálgama de entes castrados que lhe espreitavam atrás dos braços e das pernas. Vinha um mau hálito, a sardinha crua, da sala do fundo que mais tarde vim a saber era o parlamento do país aos fins-de-semana.
Ninguém apresentou-se, pontapeando os políticos (?) castrados para o parlamento.
*
Sabe, começou.
*
Sei muito bem, interrompi, eu também bebo ao Sábado tardoite.
*
Então vamos ao que interessa, sorriu cúmplice.
*
Então vamos ao que interessa, supliquei.
Entrámos na cochia onde dormia uma serpente quadrada com bigodes de cartão amarelecido. Logo de entrada verifiquei que estava perto do fim da sessão da tarde e que a película estava toda corrompida por sábios estranhos aos desígnios da Pátria.
Ninguém depositou a chave do pensamento nas minhas mãos, coloridas de espanto. Então murmurou sem abrir a boca:
*
Vai.
A cavalo do impossível retirei-me para longe.
Curiosidade feliz: Anselm kiefer, um dos meus artistas plásticos favoritos (e um dia destes falarei mais sobre esta minha fixação) vai instalar na zona da Comporta (costa alentejana) um projecto que liga arte e natureza. Como conheço bem esta região, graças a um grande amigo que aqui passa religiosamente férias de Verão e visito (não tão religiosamente como ele quereria), aguardo ansiosamente o desenrolar do projecto.
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