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A tragédia grega

por vítor, em 27.11.08

 

"Quase todos nós tínhamos, até então, resistido ao choro: quando, porém, o vimos tomar o veneno e que esvaziara o copo, não pudemos mais. A mim as lágrimas corriam-me em fio; e, velando a face, deixei-as livremente correr, lamentando não tanto a Sócrates, como o meu próprio infortúnio por ver-me  privado de um tal companheiro. nem sequer fui o primeiro, porque Críton, ao não conseguir  refrear por mais tempo as lágrimas, tinha-se posto a pé e afastado, e eu segui-o; e nesse momento, Apolodoro, que havia estado sempre a chorar, irrompeu num sonoro pranto que fez de todos nós cobardes. Apenas Sócrates manteve a sua serenidade.

Que estranho clamor é este? Mandei embora as mulheres para que não pudessem causar tal desconforto, porque ouvi dizer que um homem deve morrer em paz. Façam silêncio, então, e tenham paciência.

Quando o ouvimos falar assim, tivemos vergonha e sustivemos as nossas lágrimas, e Sócrates caminhou um pouco mais até que, disse ele, as suas pernas começaram a falhar, e deitou-se então de costas, e o homem que lhe  deu o veneno olhava de quando em quando para os seus pés e pernas; e passado algum tempo, pressionou com força o seu pé e perguntou-lhe se o conseguia sentir; e ele disse que não; e depois a sua perna, e cada vez mais para cima, e mostrou-nos que ele estava frio e rígido. E ele próprio o sentiu e disse:

Quando o veneno atingir o coração, será o fim.

Estava a começar a ficar frio em redor das virilhas, quando descobriu a cara, porque se tinha coberto, e disse (e estas foram as suas últimas palavras) - disse ele:

Críton, devo um galo a Asclépio. Lembrar-te-ás de pagar a dívida?"

 

Platão,Fédon, Diálogo sobre a Imortalidade da Alma.

 

PS: Depois de mais uma tragédia em Atenas, vou ali tomar a minha cicuta e não me chateiem nos próximos dias.

PS2: Espero bem que o Vieira não se esqueça que também deve um galo... aliás uma capoeira inteira, aos crentes nO Glorioso dos gloriosos, nO Maior entre os maiores.

PS3: Foda-se.

 

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publicado às 22:59

os animais da cabeça

por vítor, em 25.11.08

 

Já digitalizado, com prefácio de José Carlos Barros, o novo livro de Rui Dias Simão está a caminho da gráfica, onde será materializado.

 

A capa, a contracapa e a lombada e um cheirinho do conteúdo.

 

Como disse um dia Ferlingueti na apresentação de um livro de Ginsberg, "minhas senhoras, arregaçai as fímbrias das vossas saias que vamos atravessar o inferno!"

 

Saia à luz do dia em 2008 ou em 2009, será certamente o acontecimento literário do ano.

 

Aqui para nós que ninguém nos lê, a edição é - será sempre -obra das edições cativa e, parece-me, desta vez, contar com a parceria da editora - muito em voga aliás- 4 águas.

 

"...arregaçai as fímbrias..."

 

A mulher não esmorece perante
a literária lua.
Não levanta um medo para os flancos
da pouca noite.
A claridade, a claridade existe para além
dos escombros do filho que não está.
O corpo é uma praça iluminada
quando caminha com existência
visível.
A lua deita-se com esta mulher diária.
A mulher não adoece perante
a memória lúcida e cega.
Onde a areia branca?

 

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publicado às 22:16

Portugal é um país pequeno. Pequeno em área física. Hoje, e cada vez mais, Portugal confina-se à cidade de Lisboa. O resto do país só aparece pelo sórdido: uma ponte que cai em Entre-os-Rios, uma criança que desaparece no Algarve, um apito dourado no Porto, uma casa de regabofe pedófilo em Elvas.

Lisboa é uma cidade pequena. Todos se conhecem. Na cidade existem duas castas bem distintas. As elites, vivendo nos mesmos espaços e movendo-se nas mesmas "instalações" e os, digamos, "deserdados da sorte", vivendo nos arrabaldes da "não inscrição" e entorpecidos pelas novelas e concursos de televisão. Cada vez mais separados no espaço e no ser. Os condomínios fechados, para as elites culturais e políticas e os bairros difíceis (na verdade também fechados) para  o lúmpen indiviso da multidão anónima.

 

Como ia dizendo, Lisboa é uma cidade pequena onde todos se conhecem. Todos os conhecidos como é óbvio porque os que não aparecem na tv não só não existem como ninguém os conhece. Sendo claro que hoje a existência não é, ela só, pressuposto de conhecimento. Ou seja, pode-se ser conhecido, e bem conhecido, sem nunca ter tido uma existência real. Basta pensar no Harry Potter ou no Sr(?) Klark Kent.

Como uma escola americana de Antropologia de meados do século XX, estudando pequenas comunidades rurais da Andaluzia, mostrou, onde os vizinhos todos pertencem a um “nós” coeso e próximo em interesses e objectivos, existe um patamar de realização para o “eu” que estes cientistas sociais entenderam apelidar de “limited good”. Se ultrapassas este tecto usaste certamente ferramentas ilícitas, do ponto de vista moral e real. Exemplifiquemos: se tens muito sucesso com mulheres, usaste filtros, pós, magias, chantagens misteriosas não correctos e inaceitáveis  contrariando o livre arbítrio das conquistadas; se tens sucesso com o dinheiro, é porque traficas drogas e outros produtos afins; se falas muito e bem, só nada podes dizer. Os bens ao dispor da comunidade são finitos e o seu acesso nivelado por baixo. Se o nivelamento fosse por cima corria-se o risco da sua escassez.

Ora em Lisboa o “limited good” é imposto de forma implacável. Os ódios são mortais entre  os portentosos contendores na escalada social. Utilizam-se as mais inimagináveis, criativas e mortíferas armas. Nos estreitos palcos da contenda os truques sujos são aplicados sem remorsos e de forma maquiavélica. Quando ouvimos, o que é frequente nos nossos dias, falar de cabalas, conjuras e ajustes de conta, não estamos a usar da metáfora como meio de expressão. Estamos a ouvir os relatos de uma luta intestina incessante e, muitas vezes, com um fim irreversível e dramático. A lama. A mais baixa das mais baixas castas. A lama moral de onde mais não se pode sair até ao fim dos tempos.

 

E, para não me alongar mais do que já estiquei neste modesto post, assim vai este lindo Portugal. Perdão esta “bem cheirosa” cidade de Lisboa.


(post repetido)

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publicado às 14:49

Má sorte ser porta

por vítor, em 19.11.08

Levantei-me à pressa e corri a tua casa, que ficava lá para trás da minha janela. Quando cheguei, ofegante e tonto, a porta recusou-se a responder onde estavas. Não tive outro remédio senão a agressão violenta. Arrombei-a. Mesmo assim, ao ultrapassá-la, não se coibiu de me insultar. Moribunda!

Entrei no teu quarto, coração na boca, com as células asfixiadas em tabaco, e não estavas.

Sem descansar, atirei-me à rua procurando o teu odor selvático. A porta, num último esgar de vida, rasteirou-me e caí na rua pestilenta. Na lama da vida.

Ao reparar na multidão que se juntou a apreciar o incidente, reagi à velocidade do som aos insultos histéricos dos amigos da porta e fugi aos trambolhões pelas calçadas íngremes da ignorância empenhada.

Percebendo que não era seguido, abrandei o passo e aspirei o ar profundamente. Tirei um cigarro do colete (encarnado?) e fumei-o num ápice. As forças vieram-me como por milagre e redobrei a procura. Senti então o odor a lascívia, vindo do barranco da aldeia.

Corri à ponte, que unia as margens intocáveis da povoação adormecida, e espreitei, a medo, o túnel de onde emerge o discreto curso de água. O que vi não me espantou nem me confortou: servias os ingleses na posição do costume.

Esperei pacientemente sentado nas guardas do velho pontão, sem intervir.

Depois de amealhado o suficiente para as doses do dia, fomos, de mão dada, aviá-las à do Leonel.

Confortados pelo ardor violento do sangue infectado, contei-lhe o ocorrido e a pressa em contactá-la.

Tinha sonhado com outra vida, outra postura sem remendos na consciência, numa solidão repartida, e tinha tido necessidade de lhe apertar as mãos.

Ouviu sem emitir afectos ou sensações, e, no fim, só lamentou a má sorte da porta de sua casa.

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publicado às 14:57

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publicado às 21:56

As prepotentes palavras

por vítor, em 11.11.08

 

Luís Feito Lopez

 

Na carne enxuta

um cravo rasga a sedimentação brutal dos sentimentos

revolve as águas na aluvião do desejo amovível

 

Das prepotentes palavras

esquecidas

dos odores intensos da lama

desordenada

da gangrena, dos solavancos da carne,

pingam líquidos que constroem

estalagmites de medo

petrificam os perplexos louvores da memória

o tumor que envolve

amnioticamente a maresia

tornou-se o corpo são onde chapinham as ilusões

incompletas,

sóbrias e descalças

 

Um corpo entumescido

de vibrações inertes que borbulham

ao encontro da eternidade

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publicado às 16:58

Eles comem tudo e não deixam nada...

por vítor, em 06.11.08

Assim vais este país, assim vai este Allgarve...

 

Nem quero falar muito sobre o assunto. Causa-me sofrimento. Por isso remeto-vos para aqui.

 

 

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publicado às 23:31


   João Fonseca Estola nasceu em Tavira cerca de 1861 e morreu por volta de 1935.

   Trabalhava de calafate no Sítio do Registo, na margem do Rio Gilão.

   Desde novo se distinguiu como homem forte, pois no seu trabalho manejava sozinho, com facilidade, grossos toros de madeira, os quais serrava manualmente para fazer e consertar barcos.

   Este homem ficou célebre pela  grande força física que tinha e ainda hoje o seu nome e os seus feitos são recordados por muitos tavirenses.

   Descrevo a seguir algumas das muitas façanhas que durante muitos anos ouvi contar sobre ele.

   Uma vez estava o Estola a trabalhar no seu estaleiro quando ali perto, três pescadores tentavam pôr a flutuar, sem conseguir, um barco que estava varado na margem do rio. Ele pediu aos três para se afastarem e sozinho conseguiu empurrar o barco para a água.

   Outra vez numa taberna cheia de gente, um "valentão" disse-lhe que apesar da sua fama de homem muito forte queria "pedir-lhe meças". O Estola disse-lhe. É para já. E agarrou o "valentão"  encostando-o à parede, com uma só mão. Manteve-o ali imóvel durante alguns minutos enquanto a assistência gozava com a fraqueza daquele seu contendor, que se esforçava em vão para se livrar da situação ridícula em que se encontrava.

   Uma noite ele pretendeu ver se um seu amigo estava no baile. O porteiro era um homem forte e disse-lhe, de forma arrogante, que não entrava ninguém sem pagar bilhete. O Estola retorquiu que não queria ir ao baile, só desejava ver se o amigo estava ali, mas o porteiro disse-lhe secamente que não. Em face disso ele pegou-lhe pela cintura com as duas mãos, levantou-o no ar  e colocou-o um pouco afastado da porta, onde o deixou como que petrificado. O Estola entrou no baile e saiu pouco depois. Voltou a levantar o porteiro no ar e a colocá-lo no local de onde o tinha tirado dizendo-lhe que não tinha encontrado no baile quem procurava.

   Apesar de ser muito forte o Estola tinha um carácter bondoso e muitas vezes utilizou a sua força para separar guerreias e apaziguar contendores.

   Era casado com uma mulher pequena e frágil chamada Ana e sempre houve entre os dois uma perfeita harmonia conjugal. Quando lhe diziam que, sendo ele muito forte e a mulher frágil, ela devia viver intimidada, retorquia a brincar. "A minha Anazinha é muito `senhora do seu nariz` e quando eu me comporto mal ela zanga-se e sobe para uma cadeira e dá-me bofetadas".

   No seu tempo os bombeiros estavam mal apetrechados e quando havia incêndios alguns populares e a tropa colaboravam com eles no combate ao fogo. O Estola quando "tocava a fogo" corria logo a ajudar os bombeiros. Casimiro Anica, no seu livro "Tavira e o seu Termo”, transcreve a comunicação feita pelo Administrador do Concelho para o Governador Civil relatando o grande incêndio ocorrido em 25-2-1891 na Fábrica da Moagem instalada no edifício do extinto Convento das Freiras da Atalaia, onde se dizia que " o mais esforçado elemento no combate ao fogo tinha sido o calafate João da Fonseca Estola que já noutras ocasiões arriscadas havia prestado o seu auxílio com todo o denodo”.

   O Estola era um homem muito forte, trabalhador, honesto, bondoso e capaz de praticar actos heróicos. Por tudo isto deve ficar para a posteridade, pelo que sugiro à Câmara de Tavira que o seu nome seja dado a uma das ruas da sua terra de preferência, na zona próxima dos estaleiros.

 

(texto publicado no jornal Postal do Algarve em Junho de 1998)

 

 

em, Memórias Escritas de Fernando Gil Cardeira

 

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publicado às 21:02

E viva a América

por vítor, em 04.11.08

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publicado às 23:51

Etnocentrismo ingénuo e caridoso

por vítor, em 01.11.08

Que me desculpe o Sr. que não sei quem seja.

 

Moçambique, ano de 2030. Um candidto à presidência da república filho de um europeu branco e de uma moçambicana negra vence as eleições

 

Europa, África e o mundo em geral entusiasmados com a eleição de um  branco, pela primeira vez na África sub-saariana...

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publicado às 22:48


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