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Afinal um blogue é como uma banca de frutas e legumes num mercado qualquer. Os clientes são muito diversos e chegam-se por distintas razões. Uns atraídos pelas cores berrantes dos rabanetes, outros pela opulenta chamada das melancias, alguns pela simpatia do vendedor (não me parece o caso nesta banca), um ou outro pela amizade ao "banqueiro" (muitas vezes comprando por obrigação), ainda alguns pela alegria de comprar num lugar castiço ( os tolos da cidade), por acaso (passei ali e achei piada), turistas de ocasião fascinados pela exoticidade dos autóctones, muitos por engano (curiosamente continuam a comprar mesmo sabendo do engano), fascinados pela leveza dos agriões, por identificação com a qualidade e a frescura dos produtos (estes são os mais palermas. Alegretes e realizados com o que lhes impingem), pela sensualidade das peras- abacates e finalmente os que prali encaminham os seus passos, sem perceberem nada de nada de nada, atraídos pelo cheiro dos elementos, pelas cores dos vegetais e pela lábia incongruente do comerciante.
A mercadoria que lanço na imensidão das mentes carentes destina-se, preferencialmente, aos que não entendem o que lhes vendo. Deste será o reino das minhas palavras!
Bartolomeu Cid dos Santos, um dos nomes maiores da gravura europeia, faleceu hoje em Londres. Vivendo e trabalhando parte do ano em Tavira, foi responsável pelo dinamismo dos últimos anos da Casa das Artes e pela sua oficina passaram dezenas de jovens que beberam sofregamente as lições do Mestre. As sementes continuarão a brotar...
Amante da cidade, deixou como desejo que as suas cinzas fossem lançadas no seu amigo Rio Gilão.
Lá o continuaremos a acompanhar subindo e descendo ao ritmo das marés. Tavira estará com ele e ele com a cidade até ao fim dos dias.
Os cactos rasgavam o alcatrão na estrada ardente. Fomos partilhando pedras rasgadas por rubis. As cumeadas das serras distantes embalavam os sonhos da multidão e a estrada leva às portas da anunciada sabedoria.
Queres comer uma pedra, disse-lhe levantando o joelho à altura dum sorriso.
Eu levanto-me e curvo-me perante a voz rouca do vulcão.
Queres rebolar na erva seca? Respondeu-me sem convocar a minha ignorância. Não, os passos que partilhamos não compreendem os calhaus que calcamos, que calcamos na longa solidão dos tempos. Falta-me consistência nos passos que tento imprimir no lodo do caminho. O vento transporta-me como folha em Outono agreste.
Começar para nunca mais entender o amor. Mulheres sem lábios aproximam-se cansadas procurando soletrar as palavras que nos ousam anunciar. As letras caem no caminho como dentes metralhados na noite.
Onde se instalaram os vermes da correria paralela?
Na cama rejeitada pelos ossos chocalhantes, na plasticidade do metal, onde partes para nunca mais. Onde entendes a morte nos cais da premonitória incerteza. Nas fracturas intermédias do tempo inacabado.
Sem emoção, drama e imprevisibilidade o desporto é apenas um enfastidiante desenrolar de procedimentos previsíveis e bocejantes.
Sem equidade no cumprimento das regras, qualquer actividade humana desprestigia quem nelas participa.
Ontem fez-se História no decepcionante paradigma do desportivo nacional numa modalidade em que também me orgulho de ter sido atleta federado, no Clube de Vela de Tavira, e na qual ostento o título de Campeão Escolar do Algarve, na distante época de 1973/1974 (treinado pelo Grande Professor Américo Solipa, treinador e amigo), numa também dramática final contra a Escola de Silves, no velhinho pavilhão da Escola Afonso III, em Faro. O meu, aliás O nosso, Glorioso mostrou o que vale e o respeito que tem pelos seus adversários leais.
Numa final impressionante ( à melhor de cinco partidas e depois de empatados a duas) em que o resultado pendeu alternadamente para os dois lados até ao apito final, O Glorioso, O Inominável, O Grande, O Maior mostrou porque é o melhor clube do mundo. Depois de 70 minutos de jogo intenso e impróprio para cardíacos, os jogadores das duas equipas alavancaram-se à condição de heróis eternos. Venceu O melhor por 35-34, na presença do recém-empossado director desportivo, Rui Costa, e da águia Vitória. E isto tudo sem telefonemas manhosos, viagens ao Brasil, "frutas eee...róticas", jantares, almoços e lanches e negociatas em casas de alterne (contra as quais, as casas, note-se, nada tenho a apontar, pelo contrário...).
Contra uma presidência imbecil e a predadora hegemonia do futebol, o andebol mostrou a sua pujança e a fibra dos verdadeiros crentes nO Glorioso.
E pluribus unum!
Como vos tinha dito, no post anterior, o Adão filmou parte da jantarada de despedida do Valdir. Com ele podemos melhor interiorizar o espírito da noite.
Recomendo-vos vivamente o "A Outra Margem" onde, para além de podermos acompanhar momentos da criação do artista, deparamos com documentos únicos e absolutamente comovedores de amigos que já deixaram este mundo físico, mas que para sempre vagabundearão nas nossas vidas de onde nunca os deixaremos partir. Refiro-me aos músicos Telmo "Marroquino" e Sérgio Mestre.
Valdir "Bugiganga" regressa ao distante Paraná. "Pé-Vermelho", volta às terras vermelhas de Londrina.
Depois de alguns meses no Algarve e no Alentejo onde frequentou formação teatral, foi actor, encenou uma obra sua e animou tertúlias e encontros de poetas, deixa o nosso país que foi pequeno demais para o acolher. Os horizontes sem fim do Paraná falaram mais alto... Com o seu coração do tamanho do mundo, deixou nos muitos amigos feitos em tão curta estadia uma saudade que fará para sempre a ponte entre as duas margens do Atlântico.
No palacete semi arruinado de Bela Mandil (perto de Olhão) a noite foi longa e bem regada. Valdir declamou e "voltou" aos seus tempos de menino e moço encantando com as suas aventuras nas terras vermelhas de Londrina. Aventuras de pobreza, alegria de viver e desenrascanço incompreensíveis para europeus aburguesados, mas absorvidas com emoção incontrolada e lacrimejante. Porque será a miséria e a atroz luta pela sobrevivência quotidiana tão bela e magnética?
Outro momento alto da noite foi a apresentação de um longo travelling de telemóvel feito pelo inenarrável Lucas, no bairro da Barreta em Olhão. Uma viagem de bicicleta pelas apertadas e sinuosas ruas da cidade das açoteias. Uma obra única e de arrepiar.
Como tinha ido de carro de Tavira para Olhão não pude acompanhar a embalagem dos vapores etílicos que se estendeu pela madrugada dentro. Retirei-me pelas duas da manhâ, perdendo, com certeza, o melhor da noite. Tive ainda tempo de registar no telemóvel duas ou três fotografias de péssima qualidade que vos vou deixar.
Valdir "Bugiganga", o Pé Vermelho de Londrina...
Fernando Esteves Pinto, romancista, poeta e meu sócio na editora 4 águas...
Rocha, o performer e animador de tertúlias no Café Aliança e no seu Marafado, na Rua do Crime...
José Bivar, o anfitrião. Descendente de El Cid, o Campeador, monárquico, neo-ruralista, artista plástico, criador da famosa Bienal de Faro e o homem que inventou a Rua do Crime e a sua primeira e mítica âncora: os Lábios Nus...
Nunca é demais referir a presença do grande Lucas e também do artista plástico e blogger Adão Contreiras, que registou tudo em video, entre outros e outras.
(Anselm Kiefer)
Nos campos infindáveis de restolho à procura do silêncio... inevitável.
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