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Uma mulher entrou de mansinho arrastando as solas dos sapatos na tijoleira vermelha. Apertou a mão a uma salamandra semi-nua , que vagueava ao acaso pelas redondezas, e resolveu pedir um bagaço.
O empregado, senhor de um porte arredondado, serviu com a gentileza do costume.
Deu um trago sem pestanejar e sentou-se na arquibancada do fundo retirando um chupa-chupa da malinha ligeira. Chupa aqui... bebe ali...chupa aqui... bebe ali... e assim vai o relógio do bar consumindo o inexorável fluir do tempo.
Entram clientes, sentam-se, bebem e pagam quase sem falar, enquanto o relógio e o empregado vão servindo sem pressas.
Duas rebimba-corações bebem em silêncio na esplanada. O Sol mergulha no mar e as gaivotas erguem-se nas sombras. Ao longe, um saxofone geme milagrosamente entre a babuja da preia-mar.
A mulher levantou-se e dirigiu-se ao balcão ostensivamente envernizado de espuma.
- A minha conta, pediu com gestos meticulosamente embaraçados.
O empregado, que presenciara a lenta progressão da elegante senhora no salão, levantou-se cordialmente; do banco atrás do balcão, deixando o jornal; que lia sem interesse, pousar nas imperiais por tirar.
Uma centopeia, sem pernas, gritou na noite. A brisa nocturna, sem devaneios, invadira os lugares obsoletos, mordiscando os pensamentos dos lampiões tímidos da rua.
No instante em que a mulher tirou o montante, exigido pelo bagaço; da malinha, entrou no bar um cavalheiro sem olhar. A noite pareceu mergulhar no vasto oceano, enquanto o saxofone se extinguia entre os barcos sem cais.
Sem retirar o sobretudo, o homem sem olhar, voltou à rua e atirou-se na noite desaparecendo na encruzilhada das trevas.
A mulher, depois de receber o troco, penetrou no ar frio da maresia deixando um rasto de luz no alcatrão ainda quente.
O empregado, retomou a leitura do seu velho jornal: ... a solidão é o império dos sentidos.
Livre de amos: chineses ou monges. Independentes do comunismo capitalista, vanguarda da globalização, livres do medievo e castrador poder dos templos.
Tibete Livre! Uma nação como as outras, onde, melhor ou pior, as pessoas destas terras do tecto do mundo se governem a si próprias.
Os soldados marchavam no seu passo de ganso sem nunca acabar. À frente o General, mão colada na testa. Óculos escuros.
Foi então que reparei no botão que certo soldado, alto e de queixo aprumado, deixou cair na ampla avenida.
O General tremeu. Os olhares sagazes dos convidados seguiram o rebolar do botão pelo asfalto duro e liso.
O cabo Santos gritou:chão! O General não sorriu. Os convidados precipitaram-se, acotovelando-se, para debaixo do palanque central tapando as cabeças com capacetes anti-qualquer-coisa, enquanto os soldados se espalhavam na cidade, de barriga colada ao chão. O destemido cabo Santos rastejou corajosamente em L, aproximando-se perigosamente do malfa(r)dado botão. Com sibilina destreza soprou-o para a sarjeta.
Ufffffff...fff, soltou, levantando-se e mandando formar a 26.
O General sempre de mão colada à testa. Óculos escuros.
Aproveitei o sinal verde e atravessei a avenida. Missão cumprida.
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