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Manuel Almeida e Sousa no Filo Café de Bela Mandil.
O Manuel pediu-me um texto para a revista Mandrágora sobre a perfomance do grupo homónimo, no Filo Café de Bela Mandil. Dificilmente consigo descrever o que vejo. Consigo, sim, escrever sobre o que sinto. Bem escrito ou mal escrito, deixo à apreciação dos leitores. Aliás detesto escrever bem e quem escreve bem. Escrever bem é escrever como Camilo ou Eça. Isso foi fantástico e arte há uns anitos atrás. Hoje escrever é outra coisa. A escrita tem vindo a aproximar-se, cada vez mais, das artes plásticas. Em Portugal, com poucas exceções como o António Lobo Antunes, o José Saramago e o Fernando Esteves Pinto, ainda se escreve como aqueles génios escreviam no século XIX. Alguns pensam que escrevendo sem pontuação, só com minúsculas, utilizando múltiplos narradores e outro truques mínimos, se libertam do legado dos cássicos. O que eu gostaria se um dia escrever seria um texto que se soltasse das peias da ortografia e das grilhetas da gramática. Qualquer coisa como: "sempre as laranjas eu; fomos e tu leite femenino nos campu silêncio!; onde está reflexo uma lápis..." . É como andar nu na cidade em hora de ponta.
Assim, o que escrevi para o Manel e para a Mandrágora foi algo que teve a ver com o vómito das sensações de um transe que foi o privilégio de ver o Manuel, o Bruno Vilão e o Gonçalo Mattos em ação no chalé de Bela Mandil (Pechão); mais uma contribução do José Bivar para a arte do país: numa noite inesquecível. Quem pode escrever sobre um tempo sem tempo, como Camilo?
"Minhas senhoras, arregaçai as fímbrias dos vossos vestidos que vamos atravessa o inferno..."
Mandrágora e a recriação do silêncio
A noite esconde-se nas conversas à volta da mesa. Palavras que rompem o idiossincrático pulsar das criaturas. Que inventam a rebelião dos que escutam a solidão dos crentes. O vinho escarlate das terras do sul conduz a explicação breve das ideias. Lá fora o frio açoita a lassidão do restolho e penetra, lâmina afiada, os interstícios da geometria invariável.
Silêncio!, que a instalação complexa dos ritmos apocalípticos virá breve.
As luzes alteram-se nos rostos que procuram a solidez do nada e as perplexidades da mandrágora avançam ao encontro da poesia oculta. São três os avatares que irrompem da noite escondida: entes rebeldes que se digladiam numa perfomance brutal que arrepia os ossos míopes da multidão. A música, que recria o silêncio, que estabelece o conforto nas almas infiéis, refugia-se no barro cansado da tijoleira superficial. Flui alcançando os pés descalços dos espectros que se bamboleiam na noite. Flui e ergue-se nos corpos em transe, possuídos pelo vento, que iluminam o vazio dos tempos. Num ritual caótico, sexo e morte rastejam aspergindo alcalóides venenosos nos argonautas que se agigantam na proa do navio.
A Bela Mandil exorciza a mulher virgem que um dia pariu o maléfico e exulta aos aplausos ululantes da comunidade dos que não conhecem a paz. É ela que nos acolhe nas entranhas sanguinolentas e abjectas. As sementes da mandrágora a emprenharão de sonho e magia. Ao fim da noite, rasgado o ventre dilatado, vomitará os que cumprirão o impossível desejo da liberdade.
A hierofânica vontade, bradam as comadres.
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