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Quando atravessei a linha que separava a aldeia do resto do mundo, entrei num sonho estranho que me espantava e ao mesmo tempo esmagava. O medo pesava como a escuridão dos tempos em que as virgens sem consciência pariam profetas. Olhei atrás e vi desaparecer os dias que me abraçaram para sempre. Agora o roteiro seria traçado por mim, as agruras deixariam de ter o amparo da vizinhança.
Lançado na aventura de percorrer os caminhos dos outros, comecei por enveredar na direção que me pareceu mais fácil de entender. O breve cheiro da brisa refrescante. Instinto de animal ameaçado: o vento traria fragmentos do perigo que o futuro transportava e os suores da alma abandonada atingiriam o antro da minha vida, na aldeia difusa no longe que crescia. Enchendo os pulmões com o ar novo que vinha das terras do sonho por cumprir, avancei destemido nas planuras que completavam a traição que urgia desocultar. Voltar atrás era um sussurro incontornável nas paredes opacas da imaginação. A vegetação rasteira rareava nas bermas do trilho esotérico que ladeava o corpo, as árvores deixavam de projectar as suas sombras no espaço que corria sob os meus pés, os pássaros voavam ao sabor da correnteza dos ares sem olhar para os novos amigos da viagem. A própria poeira dos lugares sem esperança começava a assentar com o lastro do vagabundo inexperiente.
O burburinho que se aproximava, transportado pelo vento risonho do além, acrescentava à paisagem um travo acre a solidão. Quando o ruído tomou conta de tudo e, no horizonte, apareceram as primeiras construções brutalizando o olhar, senti o cabelo assustado e espesso.
De olhar turvo e mãos crispadas, entrei na cidade deixando a alma na periferia orbital. A penetração traumática no antro do devir inibe o desejo. A cidade é o fim do sonho e a certeza da inutilidade do retorno.
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