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Aí por 1948 realizou-se em Lisboa a Exposição Suíça. Naquele certame podiam ver-se os muitos artigos que os suíços são capazes de fazer apesar da pequenez do seu país, da pobreza do seu solo e da escassez de matérias primas.
A Suíça , mesmo falando várias línguas, tendo várias religiões e estando dividida em vários cantões, tem mantido através dos séculos um estatuto externo de neutralidade e interno de paz e prosperidade, graças à actividade do seu Povo.
Com a realização daquela exposição e doutras semelhantes noutros países, os dirigentes suíços pretendiam expandir a venda dos seus produtos, nos diversos mercados que estavam ávidos de comprar, devido à escassez de manufacturas a que o mundo esteve sujeito entre 1939 e 1945, por motivo da 2ª Guerra Mundial.
Para o acto inaugural daquela exposição foram convidadas as principais figuras políticas e militares, e também da indústria, comércio e agricultura.
O embaixador e a esposa receberam, como anfitriões, os convidados. Esta envergava um valioso casaco comprido de peles, que causou a inveja de todas as senhoras presentes, que por curiosidade lhe perguntaram de que animal era o seu casaco. Foi com surpresa que ouviram como resposta, que o casaco era feito com peles de toupeiras.
Entre os convidados contava-se a esposa dum engenheiro algarvio, que tinha sido ministro da agricultura, agora deputado e membro da administração de diversas empresas e abastado proprietário.
Uma das suas propriedades situava-se na freguesia de Vila Nova de Cacela, e tinha aí um chalé onde vinha passar uns tempos com a esposa.
A esposa sabia que naquela propriedade, bem como noutras da região, havia toupeiras e pensou mandar fazer um casaco igual ao da embaixatriz, com peles de toupeira desta zona.
Como residia habitualmente em Lisboa contactou aí com uma costureira, que se comprometeu a fazer o dito casaco, precisando para isso de cerca de 1200 peles de toupeira bem curtidas.
A senhora resolveu levar em frente a ideia de mandar fazer o casaco e, depois de consultar o feitor da propriedade, optou por pagar 3$00 cada pele ou 2$50 por cada toupeira morta mas não esfolada.
Este preço foi considerado aliciante, pois calcularam que qualquer pessoa munida de uma enxada podia apanhar 7 ou 8 toupeiras por dia, o que dava um salário superior ao dum trabalhador rural, que nessa altura ganhava uns 15$00 por dia.
O feitor contactou os meios locais de difusão de notícias - tabernas, barbeiros e sapateiros - para informarem os seus frequentadores de que, quem pretendesse apanhar toupeiras as podia entregar na propriedade da sua patroa, recebendo ali o preço acima indicado.
A toupeira é um pequeno animal do tamanho aproximado dum rato, que vive em galerias subterrâneas que escava na terra com as patas dianteiras, que estão devidamente adaptadas para o efeito. Alimenta-se de insectos, vermes e cascas de raízes que encontra nessas mesmas galerias. A sua presença nota-se pelos pequenos montículos que forma à superfície do solo, com a terra que retira das galerias, e que empurra para fora sem nunca sair à luz do dia. Por isso lhes chamam também ratos cegos.
Muitas pessoas da zona, ao tomarem conhecimento do prémio pela apanha de toupeiras, aderiram a essa actividade.
As toupeiras que durante milénios viveram, mais ou menos, sossegadas nas suas galerias, viram-se de repente perseguidas e chacinadas para satisfazer um capricho da moda.
Durante vários dias dezenas de pessoas percorreram as propriedades na região em procura dos montículos de terra, que indicavam a existência de toupeiras e quando os encontravam escavavam com a enxada as suas galerias até as apanharem.
Em pouco mais duma semana foram apanhadas as cerca de 1200 toupeiras, pelo que acabou a sua perseguição e as sobreviventes podem talvez contar com muitos anos de vida sossegada.
Esta história teve um epílogo frustrante, pois o casaco não chegou a ser confeccionado , porque o curtimento das peles não ficou em condições e a interessada desistiu da ideia, com medo do ridículo de novo insucesso.
Assim foi em vão o sacrifício das 1200 toupeiras.
em, Memórias Escritas de Fernando Gil Cardeira
( Jornal do Algarve em 2 de Abril de 1997 )
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