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Quando dizes que a fragilidade
Do regresso é uma contingência adversa
Na interioridade da memória, uma caravana
De carcaças mutiladas pingando sangue
Na estrada que leva ao nada, talvez saibas
Ficcionar o entusiasmo da palavra Não.
- És a encarnação inerente ao que nunca
Rejeitará as raízes ocultas da impossibilidade,
Lembras, ajustando as palavras ao único
Perigo que resgata os sentimentos nómadas
Das irremediáveis finitudes convulsas da solidão.
Quando dizes Não, descobres a imperativa
Vontade dos cataclismos vitais, desocultas
A noite enquanto nas cidades adjacentes
Se revoltam escravos convertidos ao hierofânico
Rasgar da pele em cicatrizes de sonho e melancolia.
O profundo escarificar da superfície do medo
Reflete o ódio que a inclinação da maresia
Transforma em negação no interior do
Sentimento devassado.
Não!, a insolvência que grita nos hiatos da sombra
Não progride nos caminhos incompletos dos teus passos.
Erras na substância que se apodera dos extensos
Humores na planície escalavrada. Dizes que a maldição
Asperge os dias e transformas o olhar num
Súbito recriar da ilusão. Dizes Não ao Não quando
Penetras no frio das calmarias labirínticas de antanho.
Voltas atrás e o recomeço abraça os limites
Alucinogénicos que bordejam a insondável
Alegria da morte.
Monte Gordo, 15 de Novembro de 2011
De onde descem os cabelos que envolvem a noite
que subtraem imaginação às falhas do nosso Outono?
O espantalho que se ergue na tarde poeirenta anuncia
escrúpulos estilhaçando o tempo na parede
de vidro onde os cabelos se refletem devagar.
As ruas enchem-se de putrefação que embriaga a noite,
o vento manipula os filamentos que a música anuncia
desde a casa silenciosa, ordenando os solavancos do devir
plasmados nos dias sobressalentes do espelho inútil. Inútil
porque reflete o que já existe nos paramentos que a luz
enverga revelando a nudez dos ossos.
Continuam a atravessar a cortina que separa
a violência da claridade. A escuridão é apenas um sussurro
na convivência inexpressiva dos pássaros migrantes.
Uma viagem em redor da consciência moral das catedrais,
momento compósito num puzzle construído ao acaso,
uma viagem pela margem do todo inacabado, confronto
com a impossibilidade de abarcar a vida que emerge do caos.
Às vezes a solidão torna-se o tema específico das escrituras
que comandam o lento fluir das partituras imbecis da multidão
oculta. É na aridez das sombras que os novos dragões
do templo parem os descendentes das criaturas que rasgaram
os códices do silêncio. Serão os nasciturnos do mundo novo,
os portadores dos cabelos malditos que descem ao abismo
sangrento, cabouco instável na estrutura brutal dos sonhos.
As linhas soltas que ocultam as palavras indicam os limites
para a imaginação tentacular do pesadelo estético e paranóico.
A loucura desenvolve-se na rede que autoriza a complexa
aparição dos cabelos sorvendo as raízes da noite.
M.G. 21-09-2011
Chegámos tarde e a noite avançou, o estatuto da noite não morava ali.
Quantas vezes tinhas empenhado as jóias que reverberam da cerveja bebida na tasca
depois da cerimónia da morte?
O objectivo era unificar a arte, a cultura e a terapia que sublinha
o rumorejar da ausência inerte.
A desesperança encontrava, na associação com os projetos de renovação,
direitos inapeláveis onde os gritos executam
a panóplia inacabada das competências esquecidas.
O morno escriturar da mitológica raiz na plenitude imprime a tatuagem larvar
do caminho interrompido , nudez do rosto avançando, que aquece
a ordem na arquitetura do sonho.
Quando chegámos, os rostos que sobressaem da espessa penumbra,
rejubilaram de alarvidade.
Dás-me contas da incompletude nas pegadas impressas de vida,
daqueles que perdem a utopia viável dos cataclismos confortáveis e nus.
Agarramo-nos à insuficiência dos presentes e arrancamos palavras soltas,
inimputáveis e corruptas. O sabor do ritual irrepetível é uma onda
de desejo que cumpre os critérios obtusos da multidão.
Os documentos são irreversíveis e envolvem vontades instaladas, revoluções
impraticáveis que renegam os pensamentos estultos e ressabiados,
emergentes da máscara desoculta na balbúrdia reflexa.
Os dias arrastam-se na envolvência das emoções inadiáveis, receita
da casa que não esquece os jogos arquitetados na distância da semente,
os dias são o que não entendes nos outros, as vidas que se cruzam
em múltiplas imagens no espelho paradoxal.
A maresia eleva-se dos espíritos que vagueiam no labirinto
catártico da poesia primordial. O elenco da putridão oblíqua
manifesta-se quando a lâmina penetra a frieza do olhar. É um desenvolvimento
esperado sem a aprovação dos que não dormem enquanto sonham
o desfilar das figuras fragmentadas pela luz.
Retiras a sensatez aos que desprezam o inútil esculpir da realidade
suspensa no pesadelo das sombras.
Chegámos e o jardim contemplou-nos sorrindo na placidez da tempestade.
(Tavira, 27/11/2010)
Nos tempos da apanha da alfarroba pareço mergulhar na adolescência. Só me apetece entrar pelas noites adentro como gato à procura de sonhos já sonhados...
PS: Não tenho andado com disposição para grandes escritos. No entanto estou pouco preocupado. Como diria a grande filósofa dos nossos dias, Lili Caneças, não escrever é só o contrário de escrever.
PS1:O meu amigo Pedro Alves vai compensando esta ausência de palavras novas com algumas referências a palavras antigas e projectos novos deste vosso criado. Recomendo-vos vivamente a passagem pelo canal sonora, o belíssimo blog do amigo supra citado.
Uma mulher entrou de mansinho arrastando as solas dos sapatos na tijoleira vermelha. Apertou a mão a uma salamandra semi-nua, que vagueava ao acaso pelas redondezas, e resolveu pedir um bagaço.
O empregado, senhor de um porte arredondado, serviu com a gentileza do costume.
Deu um trago sem pestanejar e sentou-se na arquibancada do fundo retirando um chupa-chupa da malinha ligeira. Chupa aqui... bebe ali...chupa aqui... bebe ali... e assim vai o relógio do bar consumindo o inexorável fluir do tempo.
Entram clientes, sentam-se, bebem e pagam quase sem falar, enquanto o relógio e o empregado vão servindo sem pressas.
Duas rebimba-corações bebem em silêncio na esplanada. O Sol mergulha no mar e as gaivotas erguem-se nas sombras. Ao longe, um saxofone geme milagrosamente entre a babuja da preia-mar.
A mulher levantou-se e dirigiu-se ao balcão ostensivamente envernizado de espuma.
- A minha conta, pediu com gestos meticulosamente embaraçados.
O empregado, que presenciara a lenta progressão da elegante senhora no salão, levantou-se cordialmente, do banco atrás do balcão, deixando o jornal, que lia sem interesse, pousar nas imperiais por tirar.
Uma centopeia, sem pernas, gritou na noite. A brisa nocturna, sem devaneios, invadira os lugares obsoletos, mordiscando os pensamentos dos lampiões tímidos da rua.
No instante em que a mulher tirou o montante, exigido pelo bagaço; da malinha, entrou no bar um cavalheiro sem olhar. A noite pareceu mergulhar no vasto oceano, enquanto o saxofone se extinguia entre os barcos sem cais.
Sem retirar o sobretudo, o homem sem olhar, voltou à rua e atirou-se na noite desaparecendo na encruzilhada das trevas.
A mulher, depois de receber o troco, penetrou no ar frio da maresia deixando um rasto de luz no alcatrão ainda quente.
O empregado, retomou a leitura do seu velho jornal: ... a solidão é o império dos sentidos.
Afinal não sou um careta que só ouve ópera. E, dizem-me fontes bem informadas cá de casa, até são portugueses...
As noites consomem-se na loucura das insónias transbordantes. Para lá do medo aparecem, por detrás das cortinas do silêncio, caminhos que convidam a simular estratégias de fuga impossível.
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