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Dizes sempre alguma coisa antes de contemplarmos o sorriso
da chuva a lamber a vidraça. O cabelo envolve
as palavras frias das pessoas sem ritmo musical
continuando a viajar na lucidez das ausências nunca anunciadas.
Dizes o que não traz nome, chave postiça que viola a explicação
simples na revelação da leitura impune, quando
interiorizas o eterno guião da mudança.
A tua responsabilidade no crescer do esquecimento
assume-se como rejeição do tempo intransponível. Somos
aquilo que o olhar procura, aquilo que desaparece na mecânica
do desejo acomodado.
Rejeitas o que dizes antes de o dizer, exiges a rara leitura
da distância, o sopro do discurso que éramos na
ocasional confusão dos corpos enlutados.
Nenhuma agressividade se liberta do que dizes
na acomodação do desejo, na rigidez dos significados
das palavras murmuradas que nos explicam a legitimidade
da insensível brusquidão da loucura.
Podemos dizer, sem exprimir a acomodação dos sentidos,
a irrecusável notícia do mensageiro apocalíptico que nos
surpreende enquanto paradoxo reunido à mesa
dos esqueletos brumosos da comunidade.
O sorriso da chuva é uma ameaça à necessidade
exasperante dos sinais exteriores de melancolia.
Dizes e não ouves.
(Monte Gordo – 23/11/10)
os socos nos ponteiros.
A vida passando como um comboio vazio errando nos carris.
A imbecilidade no palco arranca mais aplausos.
O sangue grita alto.
O amor dissolve-se no sangue como açúcar amarelo.
A palavra"tudo" é forte demais.
E o resto apaga-se fumegando.
Caiu o pano e a lua desaparece
ninguém pode comprar a loucura
o vento é um boeing transportando natureza.
Não há diferença nenhuma entre a areia do deserto e a da praia.
O erro está perto demais.
Este carro tem rodas mas não leva a lado nenhum.
Tudo o que se diz é uma mistura de gestos e barulho.
De noite os cegos vêem a lua.
O decote dessa mulher é a fronteira da maternidade.
O som do mar é mais nítido quando não há nuvens.
Todas as cidades deviam ter sono.
O arco-íris é a terceira obra de Pollock
a verdade usa"lingerie francesa".
A terra é uma bola com chantili que o mar ainda nã acabou de comer.
A arte não se envergonha nada, de ninguém.
A música, assim como várias outras coisas entre as quais o sexo, é o meio
de transporte mais rápido, cómodo e seguro para o extâse.
Agora, já não sei nada.
Lennon tinha prazer em deitar a língua de fora e sonhar.
O exemplo mais recente da morte já não se usa.
O melhor perfume francês não é suficiente para disfarçar a podridão.
Umas televisões trasmitem imagem, outras não.
É vulgar dizer-se que chaplin substituiu o pai natal que se tinha
aposentado nesse verão.
A tradição não é velha, pelo contrário, é o exemplo mais jovem da cultura
dos povos que atravessaram o século vinte.
O computador já aprendeu a pedir desculpa quando se engana, mas ainda
não descobriu onde erra e o homem não consegue explicar.
É curioso como há homens que, quando morrem levam o mundo no bolso
e o caixão cheio de projectos.
Não há nada mais simples que o preto e o branco diante do olhar de um louco.
Continua a afirmar que os loucos não devem ser sujeitos ao procedimento que se
toma para com os presidiários, nem este aos mesmos.
A morte que forra os caixotes de lixo não altera os nossos produtos.
O pénis à sua janela vestindo uma camisa de noite.
Os seus sonhos debatem-se numa luta asfixiante entre lençóis.
Há uma frase que diz "Estes lençóis forrando-me o corpo são as paredes de
presídio mais eficaz do mundo".
Há outras frases que falam pouco.
A esta hora deve ser dita.
Nada deve ficar guardado para outro truque.
A poesia deve apresentar-se em palco nua.
O resto entra no segundo acto.
E quando os corações atingirem o "tropo forte" a luz cairá sobre a cena.
Os bastidores nuncam arrefecem.
Adeus.
A cabeça explode.
A caneta para.
( Palavras do Rui da Amadora, em dias de 1983, possivelmente no BloodY MarY, da Amadora)
depois de finalizar este brutal power-point, dos efeitos especiais aplicados e do seu envio (zipado, sublinhe-se), a loucura irá sempre adelante. posso correr como o Bolt que nunca a agarrarei.
Enquanto vou escarificando o restolho antigo encontro-me com gente diversa. Hoje foi o maléfico que rasgava as raízes do cereal ao meu encontro. A trajectória não era arbitrária. Era a mim que queria chegar. Deixei-o aproximar-se como se de nada me tivesse sido possível descortinar. As cicatrizes que sulcávamos aproximaram-se perigosamente e encarei-o corajosamente. O que te leva a roçares os meus sentimentos desprezíveis, atirei à queima-pele. O que ouso é o impossível. É o que não quero nem posso desejar. A ti que ninguém possui nem qualquer dia possuirá. A quem nunca os deuses revelarão compaixão. A ti só pedirei uma palavra que me minimize a curiosidade que fere como brasa a alma que perdi algures. Deixa-me tocar nos sonhos que a penumbra obscurece e inebria. Quantos são os dias que levas escarificando o que resta? Que penas cumpres na imensidão dos elementos, na atómica imprecisão das palavras?
Recuei até poder não. E de longe, protegido pela incontornável panóplia de seres inexactos, dei a resposta que o tempo daria: vem sem medo do devir. Nem deus nem os demónios me entendem. A longevidade da esperança encontrará, um dia, sem espaço nas mentes envoltas em expressões que se contendem na noite, as alvas procissões dos indivíduos sem amor. Escarificaremos as plantas que sobejam da morte anunciada. De onde se levantarão os que alimentam a beleza e o encantamento.
A figura de proa rasga as rudes e imprevisíveis contingências das tempestades. Mas a espuma que nos asperge o rosto é um elixir que nos transporta ao transe absoluto da loucura...
Afinal não sou um careta que só ouve ópera. E, dizem-me fontes bem informadas cá de casa, até são portugueses...
As noites consomem-se na loucura das insónias transbordantes. Para lá do medo aparecem, por detrás das cortinas do silêncio, caminhos que convidam a simular estratégias de fuga impossível.
Uma vez encontrei um homem que sabia falar do passado. Disse: eu só sei que não estou aqui, eu ando a viajar no tempo que já existiu antes de parecer que o é.
Foram os dois, eu e ele, deslizando por entre as colinas rochosas da consciência. Aonde iremos? Pensei eu, rodeando cuidadosamente o cansaço envolvente. Chegaram a um local onde só se via o mar. Ali, disse ele sorrindo sem abrir os lábios, encontrei um dia uma mulher santa. E depois, como se a vida fosse um pião que nunca rodou. Era um dia soalheiro e o mar levantou-se tarde.
A mulher agarrou-me a mão e disse-me que fôssemos ver as pradarias da neve onde habitam seres sem forma alguma. Fomos, eu e ele, caminhando até perder de vista. Fomos, ele e ela, até perder de vista, onde esperámos alguns amigos.
Aquele homem contava-me milhares de histórias por onde nunca ninguém tinha passado e onde a criação era tão estética que não existia. Onde as pessoas eram tanto mais úteis quanto mais inúteis.
Os amigos chegaram, então, entoando canções tristes e fumando caroços de espingardas. Chegaram e dançámos um pouco. A mulher, que mais tarde o homem soube que era santa, não moveu os cotovelos enquanto a música soou.
Sentámo-nos, eu e ele, falando por entre as persianas do meu quarto.
A mulher retirou os lábios. Aspirou-os pelo nariz. Todos experimentámos o mesmo, sentindo os pés a desligarem-se do solo. Sensação tal, só se conhece quando se lêem poemas na cama das mulheres que se amam. O homem não pôde conter-se e saiu de perto de mim. Vi que chorava como se fosse a primeira vez que o fazia. Soube mais tarde que não chorava, sentia o tempo.
Quando puderam parar as emoções imprimidas pela vivência , um a um amaram a mulher. Depois todos. Depois nenhum.
Mas o amor não é infinito, perguntei eu, talvez ingenuamente. Não, respondeu ele - ou talvez ela, o amor é o fim da imaginação é o princípio da estagnação dos sentimentos. Quem ama não sente, e aliás, nunca se sabe até onde os rios podem ala(r )gar as terras da paixão. Essa sim, infinita, portadora de dor e angústia. A paixão, meu irmão, assim como a saudade, são forças sem fim e sem começo. Na sua linha de contacto existe tudo o que há de bom. Nessa linha bamboleiam os loucos. Para além dela, encontramos a morte da arte e o presente.
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