Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Aspirou profundamente o fumo do SG filtro semi- destruído. Tudo acabara. Solidão, destino, confusão. Agora era um homem acomodado na vida.
Pensou nas feridas do longínquo passado, abertas no pensamento.
Cuspiu - escarrou - O SG filtro destruído na rua, e ficou a mirá-lo pelo canto do olho. Pontapeou- o. Ajeitou a gravata e atirou-se ao seu mundo.
Entrou na cidade de mãos nos bolsos, à antiga, talvez assobiando. À sua passagem um cão, velho e vadio, ladrou e seguiu-o gingando na calçada gasta por burocratas.
Picou o cartão. Cumprimentou o crocodilo do costume. Nenhum sorriu.
Alguém pusera uma flor na sua secretária. Teve ganas de espatifar a secretária e o crocodilo. Absteve-se até de se sentar violentamente.
Estava a mudar de espécie e não sabia voltar atrás. Malditos aminoácidos.
Ela era uma espécie rara sem indícios de mutação e isso devia-lhe a ele. Dum lado o que se mantinha como a natureza pretendia, do outro a inércia baseada no passado.
Começara a doer-lhe a cabeça. Sempre lhe doera a cabeça nos momentos difíceis.
Conhecera-a num festival rock, no Norte. Por ela se arrastou pelo país, bebeu, fumou, esperou, chorou, quase morreu. Sem poder tocar-lhe os cabelos, voltou a metamorfosear-se e deixou-se cair.
A cabeça parecia-lhe um vulcão prestes a estourar. Oxalá, pensou. Olhou a flor branca. É um crime uma flor branca neste aglomerado de imbecilidades. Tomou-a nos dedos, cheirou-a e por fim pôs-se a mastigá-la lentamente. Sentiu o sabor e o calor da sua boca ( a dela ).
O crocodilo do costume contemplava-o através das lentes gastas.
Entrou a polícia com capacetes até aos pés. Um ar fresco começou a entrar pela janela do 1034º andar. Espreitou até um cavalo cinzento com ar feliz. Levantou-se ( talvez sorrindo ) e atirou-se na brisa, não sem que antes tivesse cumprimentado o crocodilo do costume.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.