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a ausência recompensa os amantes

por vítor, em 23.01.15

Lê no meu corpo a escritura do silêncio. Navega, sem medo, através da pele fremente. As mãos celebrando os caminhos enquanto vagabundagem no crepúsculo do morno fragor do corpo, planando baixinho, roçando a penugem ondulante. Electrizando o relevo da carne. Da convulsa agonia dos vales incandescentes emerge a voz impercetível que guia as mãos ao magma que brota das entranhas ensandecidas. Embriagada, conduz os teus passos ao sabor das brisas impiedosas do desejo. Cambaleia, erra, pelas pradarias do sonho, entrega-te nos braços anestésicos de quem te recebe em sua casa. A ligeira penumbra que te tolda, mansamente, a vista impede a objetivação dos impulsos primários. Combustível que te atira irracionalmente contra as paredes da loucura. Caminhada sem dor amputando as banalidades putrefactas e entrópicas da loucura. O onanismo canibaliza a vontade dos ausentes, regurgita, convulsivamente, restos da memória que se escapam pelos esquivos e irregulares interstícios da moral burguesa. Quando as mãos se reencontram na praia súbita do ventre, a carne penetrada intumesce e rejeita o corpo estranho, abandonando-se na nudez da poeira difusa desfoca-o no tempo. Everything is out of the time. Agora será o tempo do puro e do cristalino: o vagar da realidade. O retomar das rotações nas roldanas dentadas arrastando as correntes do devir. Será inverno e o frio vem para sedimentar os dias. A sede de visita que nos trouxe aqui aplacará e semearemos ausência na ocupação do espaço que projetas em mim. Será um silêncio sem fim roubando a solidez dos nossos apetites vorazes sobre o outro. O outro que se confunde com o outro e, nunca rejeitando quaisquer identidades, castra e liberta, conduz, sem dó nem piedade, o corpo e alma até os envolver no plasma evanescente da solidão. Um rolo sem fim de sentimentos, de desejos, a explorar até que um dos outorgantes deste contrato efémero e, ao mesmo tempo, eterno rompa as vicissitudes da natureza e se transforme no todo que, mar e fogo, dilui as formas e atira os limites do horizonte para mais longe que o longe. Inalcançável e corrupto. Errante enquanto ilimitado. A pureza não nos transporta a lado nenhum. Ao outro lado das portas. A normalidade é sempre pura. O que se destaca e ilumina, infecta e corrompe, estará sempre nos antípodas do puro e do divino: para o pior e para o melhor. A cerimónia continuará pela noite fora, ululante e repetitiva como são todas as festas, desestruturando, e, depois, implodindo, a comunidade. A comunidade que a sustenta. Dos estilhaços incandescentes, da fusão das poeiras quedas, ressurgiremos, alguns dirão “ressuscitaremos”, envoltos em fluídos criacionais que o sexo asperge. Recompomos, sem reconhecer o horrível que nos rodeia, o que fora nosso e nunca soubéramos. A ausência recompensa os amantes, ofertando uma condensação de tempo que brota, como cogumelos selvagens, através dos poros e contaminam a carne sequiosa de amor.

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