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o sorriso da chuva

por vítor, em 23.11.10

 

Dizes sempre alguma coisa antes de contemplarmos o sorriso

da chuva a lamber a vidraça. O cabelo envolve

as palavras frias das pessoas sem ritmo musical

continuando a viajar na lucidez das ausências nunca anunciadas.

 

Dizes o que não traz nome, chave postiça que viola a explicação

simples na revelação da leitura impune, quando

interiorizas o eterno guião da mudança.

 

A tua responsabilidade no crescer do esquecimento

assume-se como rejeição do tempo intransponível. Somos

aquilo que o olhar procura, aquilo que desaparece na mecânica

do desejo acomodado.

 

Rejeitas o que dizes antes de o dizer, exiges a rara leitura

da distância, o sopro do discurso que éramos na

ocasional confusão dos corpos enlutados.

 

Nenhuma agressividade se liberta do que dizes

na acomodação do desejo, na rigidez dos significados

das palavras murmuradas que nos explicam a legitimidade

da  insensível brusquidão da loucura.

 

Podemos dizer, sem exprimir a acomodação dos sentidos,

a irrecusável notícia do mensageiro apocalíptico que nos

surpreende  enquanto paradoxo reunido à mesa

dos  esqueletos brumosos da comunidade.

 

O sorriso da chuva é uma ameaça à necessidade

exasperante dos sinais exteriores de melancolia.

Dizes e não ouves.

 

(Monte Gordo – 23/11/10)

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publicado às 19:12

os simples também gostam de fanecas

por vítor, em 19.11.10

 

 

Um homem que era simples. Um simples homem, diziam uns. Um homem simples, diziam outros, não sabendo, nem uns nem outros, o que diziam. Hoje que todos os homens poderosos vieram até à minha terra atravessando as fronteiras fechadas, um homem, que era simples, foi-se deitar mais cedo. Os sonhos vieram até ele e confortaram-no. Os homens simples (ou os simples homens?) são fáceis de confortar. Não sabias? Se não, deve ser  porque és um dos poderosos que pisa a nossa terra... oxalá não comam as fanecas todas.

 

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publicado às 22:16

[degraus, patamar & queda]

por vítor, em 14.11.10

«degraus, patamar & queda». 50x50 cm, técnica mista sobre tela. Set 2010.

 

Título, desenho e ideia gentilmente surripiados (sem a devida autorização, claro) ao meu amigo (e também fabuloso - nos dois sentidos - escritor e poeta) José Carlos Barros.

 

Diria, ainda, não acrescentando nada à supra furtada obra, que desde que o homem passou a poder fabricar lâminas que duram toda a sua vida, por mais longa que venha a ser e por mais "rasages" que leve a cabo, o capitalismo ficou condenado ao afundanço cruel e sem agravo. UFA!!!

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publicado às 16:23

cenas campestres

por vítor, em 12.11.10

 

 

O Outono não é, nestes campos do Sul,  o estertor a caminho do Inverno. A morte instalou-se com o esplendor do restolho, no final do Verão. O Outono é quando a erva desponta desse restolho entumecido da humidade das noites longas de Novembro. Aqui na quinta, a aproximação do Inverno é tempo da vida. Tudo renasce para tudo morrer. A Primavera, bem a Primavera é a redundância da vida. É, diríamos, a adolescência do ciclo

anual. O Verão é o fim. E cada fim é apenas o começo do princípio (msier De La palisse não diria melhor).

Como vos dizia o aproximar do Inverno traz trabalho acrescido à quinta. Trazer lenha para junto do monte para a cortar à machadada ou com a moto-serra e recriar a horta são os meus trabalhos favoritos. Hoje carreguei a minha pick-up de lenha de alfarrobeira e oliveira (lenha seca e pernadas caídas que resultam da auto-poda das alfarrobeiras - chega a cair mais de metade da copa e com um barulho assustador) e despejei-a junto ao armazém. Armei-me de machado e cortei lenha para uma semana de lareira.Ah, já me esquecia, hoje é o dia da primeira noite, da primeira noite de fogo dentro de casa. Esta noite a Betty não sairá de casa. Enroscada na sua cama junto à lareira, sonhará com ratos toda a noite. Já agora, o outro doméstico da casa, este o verdadeiramente doméstico que a atrás citada nada de doméstica tem, D. Matrix ladrava, ladrava no quintal enquanto eu machadava a madeira cansada. Nestas ocasiões não pode andar por perto ou ainda o racho. Aliás, nem eu devia andar por perto... e ainda por cima tem estado em prisão domiciliária durante o dia por comer galinhas à vizinhança.

Mas o que me deu mais gozo foi o recriar da horta. Já tinha lavrado a terra prometida com o trator. Hoje foi só misturar na terra o composto do diligente compostor, lançar a semente à terra e, com um ancinho centenário, misturar e enterrar. Depois da rega abundante dos quatro canteiros com, por ordem alfabética, alfaces, coentros, rabanetes e salsa, armei um banco corrido com uma travessa (solipa) da linha do comboio junto à horta e, enquanto via o sol mergulha ao fundo da quinta, fumei um cigarrito sentado na bancada lateral. Sim, que uma horta, ao contrário do que os parolos da cidade pensam(pronto, não se zanguem, os parolos de todo o lado) é um espetáculo permanente e em constante mutação.

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publicado às 19:53

o passado passou-se

por vítor, em 11.11.10

 

 

Agora que o passado já não conta, vou incendiar a lucidez e permitir-me abraçar os dias sem objetivo. A pequenez de tudo o que circula na contramão  ser-me-á o alimento que atenua a  faminta vontade. Os olhos dirão o que o silêncio não quiser. Navegaremos, então, na tépida nave dos afectos.

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publicado às 19:26

a menina e o baterista

por vítor, em 06.11.10

 

Adão Contreiras - "A Menina e o baterista"
Pintura a pastel de óleo sobre papel

60x35
colecção de Laurentino Pinto Madeir

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publicado às 22:14

carne inimputável

por vítor, em 02.11.10

À carne inimputável acrescento o pavor

que a poeira confunde nas respostas

assexuadas da dor.

Não respondo pela loucura  que se liberta

do desejo intruso  rastejando na pele inflamada e cruel

nas imagens que projeto no vento irascível

deriva que alberga e peia as máscaras reclusas.

O ruído ondula na praia, no mar que se recusa a controlar

a memória convulsa, reverberação  carnal que inverte o desejo

e esmaga o conforto do regresso aos ditames

primordiais,  inertes angustiados gemendo nos lábios cerrados

rompendo a humidade do sexo, garantindo a imputabilidade

do homem que acordou do sonho antigo

provocação da vida intermitente.

Partilho o projeto de segredo onde a nudez

da narrativa resgata a aura paralela do vazio

eterno da criação

frase de ontem ao encontro da noite, procura da pedra

emersa na pradaria apocalíptica

futuro próximo da visão armadilhada.

A carnificina a que me proponho assistir

arrastará as almas até ao êxodo final, descobertas,  restarão

pasto dos abutres do espírito ensanguentado.

 

(Monte Gordo () 2/11/2010)

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publicado às 19:34


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