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Completo hoje cinquenta voltas ao Sol. Uma viagem extraordinária pelos meandros infinitos do Universo.

Como todas as partículas que me acompanham, o meu complexo sistema atravessa campos favoráveis e adversos, felizes e  infelizes, eufóricos e deprimentes. Porém a viagem prossegue na esteira do autoconhecimento e da aventura sem rede: sem Deus. O amparo na longa deriva espacial será sempre o dos que quero e que me querem! As almas que transporto nesta confusa caminhada...

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publicado às 13:54

Heteronimia-homónima

por vítor, em 27.03.08


Este blogue é um exercício de heteronimia (perdão) homónima. Explico: Eu não sou eu. Eu sou um semi -heterónimo do outro que se assina como eu. Para Fernando Pessoa, Bernardo Soares era um semi -heterónimo. Pouco se distinguia dele próprio, Pessoa, e portanto não tinha vida autónoma.

Eu que escrevo neste espaço sou quase o mesmo que tem um bilhete de identidade com o nome que identifica este rolo de postes. Sou diferente em termos de racionalidade e de emoção: menos racional, mais emocional. No entanto o outro é que é responsável jurídico pelas palavras, ideias e imagens que aqui são postadas. Eu sou só o responsável intelectual. O que, diga-se de passagem, é muito mais perigoso...

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publicado às 22:29

No Bar do Costume

por vítor, em 26.03.08

Uma mulher entrou de mansinho arrastando as solas dos sapatos na tijoleira vermelha. Apertou a mão a uma salamandra semi-nua , que vagueava ao acaso pelas redondezas, e resolveu pedir um bagaço.

O empregado, senhor de um porte arredondado, serviu com a gentileza do costume.

Deu um trago sem pestanejar e sentou-se na arquibancada do fundo retirando um chupa-chupa da malinha ligeira. Chupa aqui... bebe ali...chupa aqui... bebe ali... e assim vai o relógio do bar consumindo o inexorável fluir do tempo.

Entram clientes, sentam-se, bebem e pagam quase sem falar, enquanto o relógio e o empregado vão servindo sem pressas.

Duas rebimba-corações bebem em silêncio na esplanada. O Sol mergulha no mar e as gaivotas erguem-se nas sombras. Ao longe, um saxofone geme milagrosamente entre a babuja da preia-mar.

A mulher levantou-se e dirigiu-se ao balcão ostensivamente envernizado de espuma.

 - A minha conta, pediu com gestos meticulosamente embaraçados.

O empregado, que presenciara a lenta progressão da elegante senhora no salão, levantou-se cordialmente; do banco atrás do balcão, deixando o jornal; que lia sem interesse, pousar nas imperiais por tirar.

Uma centopeia, sem pernas, gritou na noite. A brisa nocturna, sem devaneios, invadira os lugares obsoletos, mordiscando os pensamentos dos  lampiões tímidos da rua.

No instante em que a mulher tirou o montante, exigido pelo bagaço; da malinha, entrou no bar um cavalheiro sem olhar. A noite pareceu mergulhar no vasto oceano, enquanto o saxofone se extinguia entre os barcos sem cais.

Sem retirar o sobretudo, o homem sem olhar, voltou à rua e atirou-se na noite desaparecendo na encruzilhada das trevas.

A mulher, depois de receber o troco, penetrou no ar frio da maresia deixando um rasto de luz no alcatrão ainda quente.

O empregado, retomou a leitura do seu velho jornal: ... a solidão é o império dos sentidos.

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publicado às 00:13

Viva o Tibete Livre

por vítor, em 23.03.08

Livre de amos: chineses ou  monges. Independentes do comunismo capitalista, vanguarda da globalização, livres do medievo e castrador poder dos templos.

 

Tibete Livre! Uma nação como as outras, onde, melhor ou pior, as pessoas destas terras do tecto do mundo se governem a si próprias.

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publicado às 19:14

O Valente Cabo Santos

por vítor, em 19.03.08



Os soldados marchavam no seu passo de ganso sem nunca acabar. À frente o General, mão colada na testa. Óculos escuros.

Foi então que reparei no botão que certo soldado, alto e de queixo aprumado, deixou cair na ampla avenida.

O General tremeu. Os olhares sagazes dos convidados seguiram o rebolar do botão pelo asfalto duro e liso.

O cabo Santos gritou:chão! O General não sorriu. Os convidados precipitaram-se, acotovelando-se, para debaixo do palanque central tapando as cabeças com capacetes anti-qualquer-coisa, enquanto os soldados se espalhavam na cidade, de barriga colada ao chão. O destemido cabo Santos rastejou corajosamente em L, aproximando-se perigosamente do malfa(r)dado botão. Com sibilina destreza soprou-o para a sarjeta.

Ufffffff...fff, soltou, levantando-se e mandando formar a 26.

O General sempre de mão colada à testa. Óculos escuros.

Aproveitei o sinal verde e atravessei a avenida. Missão cumprida.

 

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publicado às 22:31

Telefona-me mãe

por vítor, em 16.03.08
Ainda não sei bem porque não hiberno nestas noites tristes de Inverno
olho para a televisão e estou numa loja de gravatas fúteis
tenho nas mãos vazias várias facas
para cada cinismo
para cada face engraxada
na banalidade das carcomidas
palavras carcomidas

Telefona-me mãe!

Fala-me das alfaces das couves
fala-me do ritmo lunar dos pintainhos
das oliveiras por apanhar
da roda verde dos caracóis e dos netos
a perseguirem o gato preto
pois já não há papoilas para brincar ao sol das flores.

Telefona-me mãe!

Atirei um galo de barro ao ecrã ruidoso da porra (puta ) da televisão
Acertei numa Fátima qualquer (há sempre uma Fátima qualquer a azucrinar-nos a carola)
Mas de qualquer forma

Telefona-me mãe!


(poema do meu amigo, o poeta e artista plástico de Conceição/Cabanas, Rui Dias Simão)

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publicado às 10:48

Criador e Criatura

por vítor, em 11.03.08


A vida, não faz sentido sem a morte. Paradoxalmente tudo fazemos para fugir a esta última. Uns escolheram o embuste já há muito traçado: a religião. Enganam a si próprios crendo numa vida eterna e bem melhor do que a sacrificada que levam, para além dela. Virgens e outros petiscos assombrosos os esperam pós-morte . E quantos crimes se cometem procurando uma passagem rápida para este mundo sensacional sem sensações. Sem sensações porque sem o bem não existe o mal. Num mundo paradisíaco não há festa, nem rito, nem mito. sem rupturas persiste a morte. A vida no "céu" é, assim, a confirmação da morte. Outros tentam, desesperadamente, sobreviver através das suas criaturas. se as criaturas têm memórias (são vidas), pode-se prolongar a vida depois da morte. Familiares, amigos, inimigos e simples conhecidos transportam-nos mesmo depois dos bichos terem começado o seu trabalho após o último suspiro. Mas estas criações efémeras depressa nos seguem no caminho sem retorno e com elas morremos outras vezes. Mais uma vez a morte nos é favorável: quantas mais vezes morrermos mais tempo persistimos vivos. Finalmente os desafiadores da morte que através da criação artística pensam livrar-se da velha senhora. Estes crêem que as suas criações serão o garante da sobrevivência histórica. Quanto maior a criação, maior (e melhor, diria eu) será a viagem pelos labirintos da existência. Fecha-se o círculo. A arte imita a religião. O eterno encerra-se no fim. A criação e o criador, o grande criador, frente a frente nos confins da planície eterna. No vazio estéril da unicidade. No retorno (eterno) ao tempo antes da vida. No regresso ao aconchego da não existência. A criatura autonomiza-se e rejeita o criador no momento da "ultima cinzelada". Seguem caminhos diferentes e por vezes antagonizam-se e anulam-se. A sobrevivência da criatura não transporta a imortalidade do criador. Nem mesmo quando a criatura se torna num mundo dentro do mundo e se impõe como parte da história da humanidade. O artefacto artístico, aliás, não existe em si. É apenas um feixe de sensações na psique dos que os apreciam. Uma miríade de complexos que os sentidos peneiram e revolvem até ao destino final, mas não último dos vivos. Quando ouço as sinfonias da Beethoven, não reconheço nelas um velhinho surdo e triste . Quando admiro os "Girassóis" de Gog , nunca me sinto transportado à húmida e sombria juventude do seu criador, nós férteis polders dos Países Baixos, quando me envolvo nas palavras proféticas de Pessoa, não vejo um ser andrógino esgazeado pelos vapores do álcool. Ao contrário de Camões, não entendo a arte e a glória como uma forma de libertação da morte. Penso na vida mais como um "filósofo politicamente incorrecto ": " Cago na imortalidade sem corpo"!

(texto meu que agradavelmente encontrei num blogue brasileiro e que acho interessante repostar)

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publicado às 22:25

Sexo incompleto

por vítor, em 09.03.08


Estrebuchas na  levitação
da noite morna
da noite funda e silenciosa.

As perguntas que ergues na penumbra
não respondem aos mitos,
ritos selvagens de desespero
no limbo do apocalipse.

Os teus camaradas
não respondem, não ouvem
os gritos do embaraço inútil
da convocação dos desejos milenares.

 

Revolves os lençóis encharcados
de secreções animalescas
onde o sexo apodrece sem afectos,
onde a horizontalidade dos corpos
prenuncia o féretro adiado.

A vida rola ao contrário
na irregularidade das memórias deficitárias.
Quando sorris todo o saber se desloca
para as sombrias e profundas cicatrizes
da desesperança terminal.

Os conflitos afluem no deserto inqualificável
e sonolento.
Neles encontras a perenidade das calmarias
enquanto a mão profana
avança entre as nádegas
à procura do sexo incompleto.

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publicado às 00:45


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