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Como uma serpente violeta aos saltos na floresta
cheguei aqui
onde o mar explode em reflexos
de luz de crisântemos.
Como serpente apaixonada pela mulher
na paisagem abandonada
outrora rasgada pelo calor da água.
Cacela Velha (7-1-07)
Reuni-me com alguns amigos para ver o "derby". Uns vermelhos, perdão encarnados, outros verdes. Todos à espera que o seu clube ganhasse e se aproximasse do desastrado FCP . Todos, sobretudo, à espera de um grande jogo de futebol. Afinal ninguém ganhou e o jogo foi mais uma sequência irregular de equívocos do que uma partida de futebol. De arte nada se viu e a mediocridade encheu a noite. Nestes casos devia haver uma reunião no fim do jogo entre uns paineleiros especializados para decidir se se deveriam atribuir os pontos correspondentes ao empate ou se se deveria atribuir a derrota aos dois clubes. Penso que um painel constituído por paineleiros esclarecidos e competentes não teria dificuldade em decretar a derrota das duas equipas face ao desrespeito, para com apreciadores e clubes, patenteado dentro das quatro linhas, durante os 90 minutos.
Por mim, que já desespero há muito pela vergonhosa campanha do "Inominável", só me resta que tão baixa qualidade humana, artística e desportiva, tenha a paga correspondente: rua com o engenheiro e com quem não dignifica os pergaminhos únicos da maior colectividade do mundo.
Et pluribus unum !
No dia 25 de Abril também a carneirada é baril!
Milhares de curiosos acotovelam-se, impacientes, à entrada do túnel do Santana esperando a sua abertura aos peões. Algum tempo depois milhares de automobilistas com o avô, a avó, a tia, o canário e todos os restantes familiares até à 5ª geração a bordo, apitam com a bocarra escancarada, atravessando 276 vezes o referido canal subterrâneo.
Não muito longe dali, se calhar com actores repetidos, à porta do Sr. José Sócrates, uma bicha de pirilau aguarda, pacientemente a vez de entrar e admirar as cores púrpuras dos cortinados e almofadas do palácio de S.Bento e, talvez, ser osculada pelo Blair português.
Como já devem ter adivinhado os leitores deste blogue, o seu gestor e criador é um homem de esquerda. Paradoxalmente o blogue, fugindo à peia do seu dono, apresenta-se mais como anarquista e liberal. Estas divergências são aliás muito frequentes entre criador e criatura. Mas como eu ia dizendo, sem grandes ortodoxismos , o único responsável por este espaço de devaneios é um homem de esquerda. E, portanto, um admirador confesso do 25 de Abril e dos seus, múltiplos e nem sempre convergentes, ideais. Tendo sido apanhado pela revolução nos anos dourados da adolescência e vivido intensamente o PREC , é natural que os anos de festa e loucura que se seguiram lhe tenham ficado tatuados de forma profunda, imutável e, mesmo, com contornos imprecisos e mágicos.
Tudo isto não me impede de poder analisar, antropologicamente, a influência que a revolução de Abril teve e tem no evoluir do nosso país, tanto no campo da economia quanto no da psicologia individual e colectiva.
Alguns dos meus amigos de esquerda não me vão perdoar este raciocínio que vou desenvolver nas próximas linhas. Sei-o porque já o discuti com alguns deles e sem conseguir explicar os fundamentos de tal teoria. A paixão, que também é minha, pelos acontecimentos de 74/75 é de tal forma poderosa e exaltante que impede a análise serena e descomprometida. A paixão corrompe, como todos sabemos, a razão.
Vamos então directamente ao assunto: o 25 de Abril é uma das principais razões para o atraso em que se encontra o nosso país nos dias que correm. Ufa, o que me custa admiti-lo. E tanto mais porque esta é uma das bandeiras da direita ressacada. Uma explicação que remete para a bondade do antigo regime e das suas potencialidades cortadas abruptamente pelos "capitães de Abril".
Ora a minha perspectiva é completamente diferente se bem que a conclusão não seja muito diferente... Eu amo, como já referi, o "25 de Abril e sinto-o como parte de mim mesmo. Os seus ideais são, globalmente, os que defendo apesar das diferentes cambiantes dessa panóplia ideológica e dos anos que entretanto se interpuseram. Serei, sempre, um homem de Abril. Para além disso, considero que o longo período de regime ditatorial salazarento foi outro dos responsáveis pelo atraso socio-económico do país.
Começo por vos contar uma hipotética história para que melhor me possam entender. Imaginemos um jovem estudante universitário absorvido intensamente pelos estudos e a caminho de uma carreira brilhante. Conhece uma bela rapariga por quem se apaixona perdidamente. Juntos partem par uma viagem inesquecível pelo mundo e juntos vivem a mais bela aventura da sua vida. Concordarão que esta memorável experiência vai prejudicar o desenrolar dos estudos do nosso jovem universitário. Mas não vamos por isso condenar a sua aventura amorosa e, com certeza, ninguém o aconselharia a renunciar a esta transcendente viagem em troca da carreira brilhante que se lhe adivinhava.
O 25 de Abril foi uma aventura intensa e mágica. Os seus sonhos utópicos transportavam materiais que poderiam edificar um "mundo novo" com pessoas melhores e relações económicas mais justas e equitativas. Um mundo com mais liberdade, igualdade e mais fraterno (onde é que eu já ouvi isto?!).
Este sonho é possível realizar? Penso que sim. Mesmo sabendo que o homem pouco tem evoluído desde os tempos da Grécia Antiga, desde há 3.000 anos. Sabendo também isto as principais forças estruturantes da sociedade portuguesa e aproveitando a corrente tormentosa da globalização emergente rapidamente cavalgaram a onda e rasuraram os ideais e o espírito da revolução de Abril.
Seria inevitável? Penso que sim. Não seria possível resistir agarrado à rocha no meio de tão intensa e poderosa torrente. Então o 25 de Abril foi a jovem que desviou o estudante da carreira brilhante que o futuro lhe reservava. O 25 de Abril levou-nos para caminhos que, depois, tivemos de percorrer no sentido inverso para redescobrir os carreiros do futuro (pelo menos do futuro próximo). Este inverter do caminho do nosso encantamento, doloroso quando feito em marcha atrás, e recomeço ( com atraso, até agora, irrecuperável) constituem, a meu ver, uma das principais causas do nosso atraso actual, se bem que este atraso seja uma constante estrutural desde os longínquos tempos do rei D. João III.
Muita gente ficou perdida entre o caminho primordial e o real, muitos estão ainda nos atalhos do (eterno?) retorno, outros vão sendo arrastados sem sentido pela voraz corrente dos novos tempos e, ainda outros como eu, insistindo desesperadamente em "fazer o caminho caminhando", colidindo regularmente com quem segue a corrente-sem-sentido .
Depois de um sábado à tarde de ténis que me deixou de rastos recebi um "convite irrecusável" para ajudar um casal de amigos a "encher uma placa" no seu novo alpendre.
Domingo à tarde lá me apresentei, como vimos já debilitado, para tão árdua campanha. Para quem não sabe "encher uma placa" consiste na tarefa de encher uma espécie de caixa baixa armada de vigas, tijoleira e ferro, com massa (mistura de cimento água , areia e brita) que irá ser o tecto ( neste caso) ou a divisória entre andares de uma casa ou de apartamentos. Hoje em dia estas operações são executadas por camiões-betoneiras que enchem placas a qualquer nível do solo ou de qualquer superfície. Neste caso, dado tratar-se de uma pequena obra (dizem eles), o serviço não é disponibilizado.
Compareceram no local de trabalho 6 braços de trabalho: 3 profissionais e 3 amadores. Os profissionais ficaram incumbidos das tarefas técnico- específicas. Os amadores do trabalho não especializado, ou seja carregar, carregar, carregar, carregar. Sendo a obra simples ( não me apercebi de nada), a cobertura de um alpendre com 30 m2 e com 3 metros de altura , aproximadamente, o trabalho foi assim distribuído: um profissional à betoneira eléctrica a controlar as misturas e a consistência da massa, dois profissionais no alto da estrutura a distribuir a massa, vigiar a estrutura de ferro, avaliar a estrutura de suporte da placa, controlar descargas de água e verificar todo o evoluir da cobertura. A outra mão-de-obra existente ( moi même e outros dois) ficou com a relevantíssima incumbência de "alimentar" betoneira e placa. Trazer brita, areia e cimento para a betoneira e fazer chegar os baldes de massa a três metros de altura. Um ia, com um carro-de-mão , trazendo os materiais "não cozinhados", outro enchia os baldes com la massa, transportava-os até um andaime e passava-os ao que falta para que este, num equilíbrio periclitante em cima do andaime, o passasse, finalmente ( ufff ) aos técnicos superiores (duplamente superiores). Os amadores revezavam-se constantemente nas suas tarefas talvez devido à riqueza experimental das mesmas.
A betoneira não se calou, o cimento em pó e a massa andavam no ar, no chão e nos corpos encharcado e tudo isto durou desde a hora do almoço até ao cair do Sol. E ainda dizem que o trabalho intelectual é que verdadeiramente cansa. Eu que sou trabalhador intelectual (?) aconselho a quem o defende que experimente encher placas. É uma verdadeira loucura! Não perca!
Chegado a casa, mais moribundo do que um saco de cimento fora de prazo, depois de um longo banho de espuma, de esfregado com intensidade inusitada ( o cimento sai com grande dificuldade da pele, do cabelo e de outras partes do corpo...) e um jantar sem grande alegria, finalmente o confortável sofá por debaixo do corpo.
Para concluir na RTP, e ajudando a uma recuperação rápida, "Os Gatos" e uma belíssima série (em estreia) que não fixei o nome, com O Miguel Guilherme e a Rita Blanco . Isto sim que é verdadeiro serviço público!
Hoje, dia de trabalho impiedoso e irrecusável, sinto-me tão aconchegado à minha pele que sorrio sem querer. A amizade vale a pena mesmo quando o trabalho não é pequeno. A experiência brutal do trabalho nas obras mostra-nos um mundo que só na prática ( mesmo pontual, extraordinária e extravagante) de interioriza e entende.
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