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Isto está mesmo muito complicado. Já nem se consegue ser politicamente correcto. Ou melhor, o politicamente correcto está a virar incorrecto. É um pouco como a paixão. Já repararam que toda a gente vive em estado de paixão... é caso para dizer que já ninguém vive apaixonado. Sendo a paixão um momento de excepção, se se está em permanente estado de paixão esta eclipsa-se. Mas voltemos ao politicamente correcto.

Fui visitado este cálido Verão por dois amigos que não via há 15 anos.(E aqui começa a minha consciência politicamente correcta a, desculpem-me, "correctar"). São os dois homossexuais e vivem juntos desde que os conheço. Continuam juntos até hoje.

A tal minha conciência: se fossem um homem e uma mulher não escrevias posts em blogs, pois não? Certo, respondo.

 A tal consciência: se fossem um homem e uma mulher não estavas a pensar, tanto tempo juntos? Confesso que o estava a pensar mas, se no caso abordado em cima não tenho defesa, aqui vou ripostar.

Minha rica consciência não se trata de avaliar o tempo de vida de um casal homossexual. Trata-se de uma questão de género. Explico-me: sendo os homens mais dados a comportamentos promíscuos (não consegui melhor termo) a longevidade de um casal homem/homem, mais volátil,  poderá ser responsável por este meu pensamento. Possivelmente se fossem duas mulheres nunca teria ousado pensar desta maneira.

Escusado será dizer que a minha dita consciência já está a maltratar-me com uma murmurante vozita, os homens mais promíscuos?! És capaz de me fundamentar melhor essa teoria reacionária e ...

Retirei-me apressadamente. Ainda vou conseguindo afastar-me da minha consciência quando ela se torna mais chata que a potassa.

Errare humanum est. Desculpem lá o meu fraco latim.

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publicado às 15:12

Estava Frio na Tarde Poeirenta

por vítor, em 22.08.06

 

 

 Estava frio na tarde poeirenta. Agarrou os sapatos e entrou descalço no cemitério. Algumas beatas místicas adoravam os seus mortos ruminando palavras silenciosas. Percorreu o corredor central e chegou-se à sepultura de uma mulher de óculos escuros sem lágrimas. Pousou os sapatos. Olhou as árvores repletas de caracóis e começou a assoviar baixinho. As beatas ruminavam a líbido esperando compaixão das almas inertes.

  Passara um ano sobre a morte da mulher de óculos escuros sem lágrimas. Era a sua primeira visita.

 O Outono descia as persianas. O Universo rodopiava, sem pressas, em volta do cemitério.

  Subiu a colina suave da sepultura e sentiu os pés descalços a enterrarem-se na terra. À procura da raiz.

  Há anos, quando repousava no seu regaço, sentia as mãos tremer de gozo. Lembrou-se das galochas que sempre quisera ter e nunca teve e que os rapazes da rua sempre tiveram.

  Olhou o céu à procura de encontrar Deus a sorrir. Não existe. As beatas consumiram-No . Existe. Só existe o que se pode consumir.

  Sentiu as mãos tremer de gozo. Os pés terrados .

  Bruxas no sabat sem fim aproximaram-se do cemitério. Pensou nos mortos ricos e nos mortos pobres, que foram vivos pobres e vivos ricos. A loucura passa pela maior das normalidades quando tem um espaço onde se projecta. Só quando o pano de fundo desce, a loucura cai à rua: é doido varrido, vê pulgas na opa de sua majestade, quer saudar o infinito, satisfaz-se no vazio. A mais grave.

  As viúvas místicas atingem orgasmos na penumbra das sepulturas.

  Os espaços sagrados aparecem quando os seres do Além se fundem aos do Aquém e aqui começa o sabat. Fantasmas e vice-versa, num só, debatem os mais prementes problemas da Filosofia contemporânea.

  Mãe, por que me abandonas-te? Acaricia-me os pés. Faz-me tremer as mãos. Vamos construir um mundo porreiro sem carimbos na consciência.

  Parecia que o tempo não passara mas o Sol caíra atrás da parede do cemitério e como era preciso atravessar o ritual da morte para participar no sabat, o coveiro, homem devidamente encartado para tal, expulsou as almas do outro mundo para o outro mundo.

 

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publicado às 00:08

Requiem Alemão

por vítor, em 16.08.06

Como é possível dar 48 voltas ao Sol sem nunca ter ouvido o Requiem Alemão de Brahms ?

Finalmente fruí-o integralmente ontem. Absolutamente fantástico!

Brahms Ein Deutsches Requiem

Arleen Augér (soprano)

Richard Stilwell (barítono)

Robert Shaw (Atlanta Symphony Orchestra and Chorus )

Telarc Digital

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publicado às 23:47

Uma Catacumba Caiada

por vítor, em 14.08.06

 

 

 

  Quando o calor se atirou à aldeia, podre e venenoso, o Zé saiu da taberna ziguezagueando.

  Sabia que nunca mais iria enterrar ninguém. Via- se pregado na parede do cemitério rodeado de aranhas que dançavam titubeantes e macabras.

  Contra o que sempre pensara, não morreria velho e foi- se despedir da espanhola com quem dormira as duas últimas noites.

  Àquela hora  os cães dormitavam nas sombras, abanando o rabo à sua passagem.

  O presidente da junta tinha-o prevenido três semanas antes que a profissão de coveiro era ingrata: - o osso é duro de roer. Mas o importante é que há mais marés que marinheiros.

  Em Lisboa, nos tempos de casado, tivera ofícios duros. Mesmo assim sempre pensou que morreria velho. Nem mesmo a separação da família o desesperou, e a vida era vivida com um sorriso interior, de parietal a parietal.

  Porém, o aviso preocupou-o.

  Caminhou junto à parede para aproveitar a sombra dos beirais. Torneou um barco semi desfeito de saudades. No poial da porta da espanhola estava, despreocupado, o marido desta. Despreocupação de corno manso, pensou.

  Atirou-lhe dez tostões. Para a aguardente de figo.

  O canavial murmurava sons de juventude, levemente embalado no sueste. A velha nora espiava por cima do casario árido vindo do deserto.

  Afastou a rede mosquiteira da porta e entrou no escuro antro dos pobres. Fixou os olhos, sem medo, no cristo ameaçador do fundo, e releu o prato azul violeta: " o cabelo que foi loiro e depois se debotou, lembra alguém que tinha oiro e em prata se transformou".

  - Romualda , chamou baixinho.

  Os ladrilhos libertavam uma frescura agradável a alfazema. Entrou no quarto e viu-a estendida na esteira, completamente nua. As dobras da barriga pendiam-lhe até ao chão, subindo e descendo ao ritmo da respiração pesada. Não acordaria mesmo que um tubarão entrasse na ria e comesse metade dos homens que dentro de água esquartejavam os atuns do copejo da madrugada. Ficaria para mais tarde. Muito mais tarde...

  Procurou nos bolsos das calças um cigarro, e foi encontrá-lo num da camisa. Acendeu-o ainda dentro de casa e saiu decidido ladeira acima em direcção do cemitério.

  No caminho entrou na tasca do Marcolino - estrategicamente situada entre os mortos e os vivos - que dormia com a cabeça sobre o balcão. Balcão de amendoeira de amêndoa dura, onde se apoiavam as mais diversas vidas, desde o começo dos séculos.

  Serviu-se a si próprio de medronho. Era a única bebida que, no estio, lhe refrescava as tripas.

  As aranhas começaram a movimentar-se no seu cérebro dando-lhe uma sensação de inesgotável prazer.

  O Marcolino mudou de posição, disse alguma coisa arranhada, e continuou ouvido colado aos sonhos infindáveis do balcão. A venda era impotente perante o calor que se ia instalando sem pagar.

  Mais um medronho e saiu levando consigo a garrafa. Pagaria depois. Muito depois...

   "Medronho puro a bebida do futuro", rótulo sem cor sobressaindo da solidão das ruas escaldantes.

 "Nós ossos que aqui estamos pelos vosso esperamos". Entrou. Dirigiu-se à cova que começara a abrir pela manhã. Ajoelhou-se diante dela murmurando álcool para as entranhas da Terra.

  Sem que desse por isso, da catacumba do General, saiu um esqueleto com galões a condizer, armado de martelo e pregos. Com o queixo aprumado, protuberante, e rodando sobre os calcanhares a cada sepultura, chegou-se ao Zé que flutuava a um palmo do solo. Deu-lhe o braço e foram os dois até ao lado Norte do cemitério. Aí, o esqueleto general, pregou o esqueleto do inferno na parede caiada, peça do puzzle infinito da calmaria.

  As aranhas, agora livres, saíram à rua semeando  panfletos incendiários aos transeuntes.

  Duas árvores, frondosas, coraram de cumplicidade.

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publicado às 23:56

Estamos no 29º conto do livro "Transeuntes". Vão ser 33. Aproximamo-nos, portanto, do Fim.

Descansem os míseros leitores (míseros de poucos) que "Transeuntes" é apenas uma talhada de uma trilogia  que me propus editar por esta via.

Seguir-se-ão um livro de poemas (ainda sem título) e, finalmente, e se o conseguir, o supra sumo da obra literária: um romance. Este último, sem título e sem uma só palavra mas com muitas ideias.

Comecei por desprezar a quantidade de leitores mas a angústia de não saber se, no universo cibernético profundo e infinito, era lido, levou-me a recorrer à ajuda de um contador de visitas.

Não ajudou muito mas pelo menos passei a saber que não viajo só nesta aventura (ia  escrever odisseia) e que cheguei a alguém.

Nunca incomodar é a forma mais bonita de atravessar o horizonte. Se quiserem digam qualquer coisinha...

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publicado às 16:04

Viagem de Volta Favorável

por vítor, em 10.08.06

 

 

 

 Avistei terra ainda antes de escurecer. O barco sulcava as águas espumosas, empurrado pela leve brisa do penente. Quando o breu rodeou a velha carcaça do saveiro, as luzes de terra brotaram como cogumelos, guiando-o ao porto escancarado.

  Saltei em terra iluminado por uma sensação de felicidade que me entrava pelos pés e fluía por todo o corpo. Subia às estrelas: dez contos no bolso. Cinco passageiros até Marrocos e viagem de volta favorável. Kiff para todos, mesmo os inimigos de ocasião.

  A tasca do Quim efervescia: o Rato, o Califa, o Ai Que Lindo Polvo, o Zeca Barbinha, todos.

  A coragem paga o vinho e a aguardente e mesmo o poejo, até a tasca fechar. E fechou tarde, embriagada.

  Os guardas-fiscais passaram armados até aos chapéus.

  Ah! Ah! Ah! Sorri abundantemente.

  Eu era uma alucinação imensa rebolando na praia, e quando o Sol já queria alargar os horizontes, dirigi-me a casa dançando melodias árabes por entre vagas alcoólicas. Alterosas.

  Entrei em casa com o meu melhor amigo (como se o meu melhor amigo não fosse o mar), que me guardou o dinheiro, das minhas vidas, no bolso da miséria e saiu para o céu em labaredas. 

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publicado às 00:54

Um Grito de Mercenário

por vítor, em 10.08.06

 

 

 

 Um grito de mercenário. Juro que o imbecil se junta nas herdades desertas da multidão.

Viajo até a solidão se dissipar no atrito do desespero. Aí celebro a infância desmembrada, de amor. Desta vez o sonhar é uma sensação demasiado real para causar dor, demasiado rude para convidar ao reflexo comum do prazer.

Na estrada há um barco angustiado ( talvez  bêbado, como disse o outro ). Centenas de pirilampos jazem nos cadáveres sem apodrecer. A ti envio os meus dedos vestidos de arlequins esverdeados. Não és um desafio porque sabes demais das incertezas do infinito.

Um ser embriagado deu à costa. Bebeu o mar e caiu na calçada, calada, por onde namoriscavam peixes vestidos ao contrário. Ainda vi que eras uma alforreca desmaiada.

Vi- te passar perto de um ser que parecia engolir os destinos. Nem as promessas do homem mentiroso seriam tão vãs. Ele era um deus razoavelmente desprovido de sentimentos sociais.

A mentira é tudo, sendo nada é fogo ateado à imaginação para consumo dos vizinhos. Sem a mentira há medo. A suavidade é a possibilidade de construir o passado em liberdade e acabar de vez com o futuro.

Vais comover o farol das trevas! Entrega-te patrão das sereias iluminadas!

A Europa é um paraíso de opressão.

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publicado às 00:47

...

por vítor, em 05.08.06
Há panelas de pressão porque há fábricas de panelas de pressão.

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publicado às 18:32

...

por vítor, em 04.08.06
Quanto mais sei mais sei que menos sei. ( Sócrates?)

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publicado às 15:03


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